sábado, 10 de dezembro de 2022

Mar da Tranquilidade (Emily St. John Mandel)

Um jovem exilado da alta sociedade no início do século XX, que parte para se encontrar ou apenas existir. Um músico que fez sucesso graças, em parte, aos vídeos da irmã morta. Uma autora que escreveu sobre uma pandemia mortal pouco antes de ser também ceifada por uma pandemia. E um investigador que percorre o tempo em busca de explicações para uma anomalia que pode alterar perspetivas sobre a natureza da vida. Todos estes fios se entrelaçam e convergem para lembrar a mutável natureza da vida e as infinitas formas da desolação.
Embora seja, no essencial, uma história independente, uma das coisas que importa salientar sobre este livro é que terá certamente um impacto muito maior tendo lido anteriormente Estação Onze e O Hotel de Vidro, não só pelas personagens em comum, mas sobretudo pela viva sensação de que tudo pertence a uma mesma teia de histórias e de mundos.
Este impacto sai ainda mais realçado pelo facto de ser um livro relativamente breve, em que há tanto de marcante no que é dito como no apenas sugerido ou vislumbrado. É, aliás, interessante a forma como, com um aprofundar bastante menor dos elos pessoais, a autora consegue criar com igual mestria a sensação de melancolia e desolação que tão tangível é nos livros anteriores.
Há ainda outro contraste poderoso. Sendo embora um livro com muito a acontecer, e com uma voz relativamente concisa, o tom tem o seu lado introspetivo, um pouco como se cada pequena coisa apelasse a uma contemplação de algo maior: a vida, o tempo, a natureza humana, o futuro. E há ecos que se repercutem não tanto por acontecimentos específicos, mas mais por uma frase, uma imagem, uma impressão.
Mas há mistério. E respostas. E, a haver algo de expectável neste livro, é que o final jamais poderia ser limpo e linear. Não é, de facto. Deixa perguntas sem resposta. Mas, atendendo ao percurso, é mais do que natural que assim seja: é perfeitamente adequado.
Relativamente conciso, na escrita e nos desenvolvimentos, mas com um poderoso equilíbrio entre as suas múltiplas facetas e a visão que delas emerge, trata-se, em suma, de um livro marcante e memorável,  tanto no que diz como no que inspira. E é dessa matéria que são feitas as grandes leituras.

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