sábado, 28 de abril de 2012

As Coisas que te Caem dos Olhos (Gabriele Picco)

Talvez por há anos não conseguir chorar, Ennio tem um fascínio por lágrimas e um dos seus hábitos é fotografá-las, sempre que as vê, para nelas tentar ler a sua história. Mas Ennio tem um passado de que fugir e é por isso que deixa Itália para trabalhar em Nova Iorque, cidade onde, acidentalmente, encontra um caderno de desenhos que o leva a conhecer uma rapariga japonesa com quem criará uma empatia inesperada. Ao mesmo tempo, também outras personagens encontram pontos de viragem nas suas vidas e as suas histórias de amor e de perda de amor acabarão por entrar na vida de Ennio para provocar um abalo inevitável...
Peculiar seria uma boa palavra para definir esta história em que muitas das personagens se definem pelas suas pequenas grandes estranhezas. Nem só as de Ennio, que, como protagonista, tem um desenvolvimento bastante maior que o dos restantes, mas também Arwin com a sua omnipresente câmara, Kazuko, com os seus estranhos desenhos e as suas cartas a Deus e até mesmo Gianny (sim, com y) e a sua dedicação ao yoga afegão. O que cada personagem tem de estranho distancia-os do mundo real, tornando evidente a ficção desta narrativa. Por sua vez, as experiências do seu lado emocional são o que os aproxima, num vislumbre bastante simples, mas também muito preciso, ao que há de universal na natureza humana.
Cria-se, assim, um contraste bastante interessante entre a estranheza das situações e a familiaridade do espectro emocional percorrido nesta história. Porque, mais que a história de um rapaz que não pode chorar ou de uma rapariga japonesa que faz desenhos estranhos, o que marca neste livro é a cativante abordagem com que, ao longo da história, os sentimentos são explorados. Trata-se, afinal de contas, de uma história de amor e de atracção, de afecto familiar, de perda e da culpa sentida pela perda, da capacidade de viver com o que dói e de agir ou de morrer por isso. As situações que lhe servem de base são simples, ainda que bizarras, e a forma como estas são desenvolvidas é também simples e directa - ainda que ocasionalmente pontuada por alguns rasgos quase poéticos. No fundo, são as emoções o que marca e a visão global que delas transparece.
Não é uma história particularmente complexa. Apesar da peculiaridade das circunstâncias, a história de Ennio é, na sua essência, muito simples. Há, contudo, uma vastidão de emoções a descobrir ao longo desta leitura e a forma quase inocente com que estas são desenvolvidas faz com que mesmo as circunstâncias mais estranhas em nada prejudiquem a leitura. Um livro curioso, em suma, mas de leitura agradável e com um final particularmente comovente. Gostei.

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