Os Anjos Morrem das Nossas Feridas (Yasmina Khadra)

Desde criança que Turambo conheceu a miséria e aspirou a uma vida melhor. A sua ambição levou-o a contestar família e tradição e a dar-se todo a cada objectivo que adoptasse como seu. Mas Turambo sempre teve uma fraqueza: o coração. E, desde o seu tempo de criança num bairro de lata à sua ascensão a lenda do boxe, o coração de Turambo estaria sempre preso ao de uma ou outra mulher. Por uma, escolheria contra a família. Por outra, sofreria a humilhação. E, por outra ainda, lançaria na ruína o sucesso tão arduamente questionado - revelando, ao mesmo tempo, a fragilidade da sua condição. Turambo, desprezado e adorado em igual medida, fruto do seu tempo e da sua própria forma de ser.

Uma das coisas que mais impressiona nos livros deste autor é a beleza de uma escrita com tanto de poesia e de introspecção como da crueza das lições duramente aprendidas. Este livro não é excepção. Narrado pela primeira pessoa pelo seu protagonista, este é um livro em que, quer nos momentos mais introspectivos, quer nos acontecimentos de grande impacto, frases belíssimas surgem para realçar pensamentos, reflexões e acções. É esta fluidez que primeiro cativa, e que prepara caminho para tudo o que de bom este livro tem.

Também muito impressionante é a complexidade inerente às personagens e à história. Centrada em Turambo, esta é uma narrativa muito pessoal, mas que não se limita as ânsias e dilemas do seu protagonista. Enquanto árabe, Turambo é a base para uma fortíssima reflexão sobre o preconceito racial e, ao mesmo tempo, nas suas relações, uma porta de entrada para o conhecimento de outros preconceitos. Pelos olhos de Turambo, vê-se o que outros pensam das mulheres, dos árabes, dos pobres... Tudo é questionado, e é-o sem discursos moralizantes, mas antes pela dureza das acções. Assim, eventos e personagens são mais que a sua própria existência. São a porta para uma percepção mais vasta.

Mas há, como disse, uma ligação pessoal, e esta deve-se em muito à emotividade que transparece de cada momento. De início intenso e final igualmente intenso, a história constrói-se entre grandes momentos e pequenas coisas, mas tem sempre como base uma jornada de crescimento. E é esse percurso de Turambo, através de ânsias e desilusões, fidelidades absolutas e lealdades quebradas, amor e enganos, que define uma vida com tanto de poesia como de tragédia. Turambo é terrivelmente real. E é isso, acima de tudo, que marca na sua história.

O que fica de tudo isto é, inevitavelmente, uma leitura memorável. Feito de frases belíssimas, de uma história intensa e marcante e de um protagonista tão complexo como tudo aquilo que vive e que representa, este é um livro que vale a pena ler. Recomendo.