sábado, 8 de fevereiro de 2014

O Oceano no Fim do Caminho (Neil Gaiman)

Depois de um funeral, e em busca de respostas a perguntas que nem ele compreende, um homem volta ao lugar onde cresceu. A casa da sua infância já não existe. Mas, ao fim do caminho, continua a quinta das Hempstock e um lago artificial que o parece chamar. É aí que se encontram as suas memórias, partes de si que esqueceu quando se afastou daquele lugar. E a recordação de Lettie, a amiga que o acompanhou numa aventura cheia de medos e de impossíveis, e que, sem que ele o saiba, o empurra, mais uma vez, para aquele lugar.
Relativamente breve e narrado na primeira pessoa pelo protagonista, o que primeiro cativa neste livro é a impressão de inocência que parece transbordar das palavras do narrador. Inocência, porque durante grande parte da história - a realmente marcante - o protagonista é uma criança de 7 anos, mas também porque a sua jornada cruza uma experiência mais vasta que a do mundo real. 
E é esta inocência o ponto de partida para o que é o ponto mais impressionante desta história: o equilíbrio entre este lado mais ingénuo e um cenário em que a componente mágica tem um lado muito negro. É que, sendo uma criança, o protagonista tem todos os comportamentos que dele seriam de esperar - e, curiosamente, admite-os na sua narração. Mas as circunstâncias em que se vê envolvido têm um lado especialmente sombrio, que, mesmo não sendo desenvolvido em todos os pormenores, cria um contraste especialmente interessante. A ingenuidade evoca ternura. Os perigos e dificuldades - e a reacção a eles - despertam empatia. A conjugação de tudo mantém viva a curiosidade em saber o que se seguirá.
Este contraste estende-se também à forma como a história é contada, com simplicidade quanto baste, mais com laivos de uma observação mais profunda, reforçando a ideia de que o narrador é, essencialmente, um adulto que recorda. É fácil, por isso, ver o homem e a criança, e o que um e outro têm de comum. Além disso, e sendo esta uma história relativamente curta, a escrita relativamente simples (mas com todos os elementos necessários à percepção da história) acaba por se adequar da melhor forma ao ritmo do enredo.
Mas falta, é claro, falar na tal componente mágica da história. Neste aspecto, o que mais cativa é, sem dúvida, a naturalidade com que esses elementos encaixam no rumo de uma história que, inicialmente, parece assentar exclusivamente no mundo real, mas cujas ramificações se tornam mais vastas, com o invulgar e improvável a ganhar dimensão, sem que nunca pareçam demasiado rebuscados. Além disso, o que o protagonista recorda em cada momento, o que esqueceu e o que tem presente de uma forma diferente do realmente sucedido, evocam uma interessante reflexão sobre a memória, enquanto repositório do passado, mas principalmente enquanto refúgio interior.
Envolvente desde o início e com um muito interessante contraste entre sombras e luz interior (e não só), este é, portanto, e apesar da relativa brevidade, um livro repleto de momentos marcantes e surpreendentes. Com um enredo intrigante, personagens interessantes e uma magia especial, uma história que fica na memória. Recomendo.

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