Apesar da idade, Alma Belasco continua a ser uma mulher independente e ciosa da sua privacidade. Mas, ao encontrar na Lark House a melhor assistente possível para a sua velhice, Alma descobre também que o tempo dos segredos - ou pelo menos de alguns - está a chegar ao fim. Para incentivar as visitas do neto e a sua cada vez maior proximidade a Irina, Alma começa a recordar o passado. E, ao fazê-lo, percorrendo o caminho que a levou à América e fez com que conhecesse o amor da sua vida, traz também à tona outros segredos... e talvez, com eles, a possibilidade de encontrar a paz.
Um dos aspectos mais surpreendentes neste O Amante Japonês é a forma como a autora cruza um conjunto de temas pertinentes numa história que é, acima de tudo, o caminho pessoal das suas personagens. Acima de tudo, este é o caminho de Alma, Ichimei e Nathaniel, de Seth e de Irina, e de mais alguns que, de forma mais discreta, tomaram também parte nas suas vidas. Mas, ao longo deste percurso, há tantas questões importantes - a evacuação dos japoneses, as redes de tráfico humano e de exploração sexual de crianças, os preconceitos raciais e as barreiras das diferenças de classe - que é impossível não se ficar fascinada com a forma magistral como tudo isto se equilibra.
Também impressionante é a construção das personagens, cativantes não só nas suas facetas mais misteriosas e na profundidade dos afectos que as alimentam, mas também na falibilidade que lhes está associada. São personagens complexas e, acima de tudo, humanas. E, assim sendo, nunca poderiam ser perfeitas. Num ou noutro momento, todos erram. Todos falham. E a continuidade do percurso após o erro, seja assumindo-o ou fugindo-lhe até o confronto ser inevitável, faz também parte do que torna esta narrativa tão interessante.
Ainda um outro aspecto marcante prende-se com o mistério. Sendo esta, em grande medida, uma história de segredos, há todo um amplo conjunto de revelações ao longo do percurso, sejam elas sobre Alma e Ichimei, Nathaniel, Irina ou até mesmo respeitantes a algumas personagens mais discretas. Ora, isto é a parte da magia que mantém viva a vontade de saber sempre mais, já que tudo - e quase todos - parece ser um enigma. Mas, mais interessante ainda é que, mesmo sabendo que há muitas surpresas à espera, nenhuma delas perde o impacto. No fim, tudo faz sentido - e, ainda assim, tudo é inesperado.
E há ainda a escrita. Bela, harmoniosa, ajustando-se na perfeição aos traços e emoções das personagens que evoca, confere ao enredo uma envolvência quase perfeita, levando a que seja fácil entrar na pele das personagens e acompanhar as suas vidas. Também isto faz parte da magia deste livro, contribuindo para criar uma maior proximidade entre as personagens e o leitor.
Misterioso, tal como a sua protagonista, cativante e surpreendente, trata-se, pois, de uma história em que é o amor a força motriz, mas onde o espaço se expande para abarcar muito mais. História de afectos, de provações e, acima de tudo, de relações, um livro com muito de mágico e ainda mais de memorável. Muito bom.
Título: O Amante Japonês
Autora: Isabel Allende
Origem: Recebido para crítica
Podem ler as primeiras páginas do livro aqui e acompanhar a autora na sua página do Facebook.
Sem comentários:
Enviar um comentário