quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

A Alvorada dos Deuses (Filipe Faria)

À procura de respostas que acabem com a sua crise de fé, Berardo de Varatojo viaja até à distante Thule, onde espera encontrar num manuscrito os esclarecimentos que lhe faltam. Mas o que lhe acontece é ver-se raptado por um grupo misterioso, cujos membros alegam ser deuses antigos e que dele esperam que lhes abra as portas do paraíso que lhes foi vedado. Numa viagem difícil, atormentado por visões que lhe parecem blasfemas e recebendo dos seus captores apenas ódio ou cordialidade forçada, Berardo vê-se perante provações superiores às suas forças. E tudo acabará em sangue, pois foi assim que começou.
Narrado do ponto de vista do protagonista e centrado em grande medida na sua jornada, este é um livro que, com o seu ritmo pausado e a habitual escrita elaborada, dificilmente se poderá considerar de leitura compulsiva. Apesar da relativa brevidade, há uma grande componente descritiva, que, associada às introspecções do protagonista e a uma distância emocional que apenas aos poucos se vai atenuando, impõe à narrativa um ritmo relativamente lento. Ainda assim, e se é certo que leva mais tempo a entrar no ritmo da história, também é verdade que o ritmo pausado acaba por reflectir a longa provação do protagonista - acabando, assim, por se ajustar à história.
Além disso, a tal distância motivada pelas elaborações da escrita e os muitos pormenores acaba por se dissipar à medida que os acontecimentos ganham intensidade. A princípio, é a confusão do protagonista que sobressai, mas, com o evoluir do enredo, as muitas informações narradas na fase inicial acabam por revelar a sua relevância, contribuindo para uma melhor percepção do todo. E também as personagens acabam por se revelar um pouco, afastando-se da distância inicial e da dualidade entre os mártires e os vilões para mostrar, no fim de tudo, a possibilidade de uma conclusão diferente.
Há ainda um outro aspecto curioso nesta história. É que o percurso do protagonista, perdido no cerne de uma quase guerra entre deuses, se aproxima, em certos aspectos, do de um outro conhecido redentor. Há uma série de paralelismos entre o percurso de Berardo e o do seu "cristo branco", o que torna as coisas particularmente interessantes, tendo em conta o facto de a viagem de Berardo ser, em primeiro lugar, motivada por uma crise de fé. Além disso, a forma inesperada como tudo se conclui confere aos últimos capítulos uma intensidade especial. 
História de um possível martírio ou de um regresso dos antigos deuses a um tempo que já não é seu (ou será?), trata-se, portanto, de um livro que, apesar da estranheza e da distância iniciais, acaba por conseguir cativar para a sua história. No fim, fica a impressão de se ter acompanhado o protagonista, partilhado da sua confusão e feito, de certa forma, as mesmas descobertas. E é esta proximidade depois da distância que acaba por ser o mais marcante nesta leitura.

Autor: Filipe Faria
Origem: Recebido para crítica

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