Conta-se que existiu, em tempos, no Reino do Mexilhão, um imperador tão sábio e tão douto que tudo o que dizia era inquestionável. Há quem diga que não morreu, que por lá continua. O que se sabe é que o grande Mestre sempre teve como sua, mais até do que o sábio governo das gentes, a missão de dominar a palavra, moldando-a à imagem da antiga perfeição. E assim, vive-se no Reino do Mexilhão segundo regras muito claras, em que a hierarquia se controla com chaves e a palavra do imperador é lei. Mas, quando a linguagem se torna obsessão e o soberano se torna eremita, que será então de um reino que já não ouve?
Não é propriamente fácil descrever este livro, que, em jeito de fábula, parece satirizar o autoritarismo ditatorial, ao mesmo tempo que pondera sobre a derradeira forma de controlo - a da palavra. Não é fácil, porque parte do seu encanto prende-se precisamente com a estranheza de um mundo tão completamente bizarro - e, ao mesmo tempo, com tantos pontos em comum a um regime não muito distante. É, aliás, essa a grande magia desta história: é fácil reconhecer a realidade e, porém, a história não se cinge a ela. E, assim de peculiaridade em peculiaridade, imagina-se outro mundo e questiona-se este, que, passadas décadas da altura em que o livro foi escrito, pode agora ser diferente em muitos aspectos, mas tem ainda uns quantos pontos em comum.
Peculiar será talvez uma boa palavra. E, sendo a história no seu todo - e nos pormenores também - peculiar, também a forma como é contada preenche esse requisito. Os diálogos, as divagações, os laivos elogiosos com sombras de crítica subtil. E as ilustrações, que, num estilo também ele invulgar, completam essa tão clara imagem de peculiaridade. Tudo isto reforça a ideia que fica da história: a de uma entrada num mundo novo, em parte fictício, mas com laivos de realidade.
Será todo este mundo inteiramente plausível? Talvez não. Mas a verdade é que também não importa que seja. A forma como a história é contada torna-o natural e, além disso, as ideias subjacentes ao enredo não perdem em nada com a vaga estranheza de certas circunstâncias. E, sendo certo que ficam questões em aberto, também faz sentido que assim seja. Quase como que prenunciando um certo saudosismo futuro...
Bizarro, surpreendente e cativante em toda a sua estranheza: assim se poderá, pois, descrever este livro, que, num muito eficaz olhar sobre outros tempos, nunca deixa de ser relevante e actual. Muito interessante, delicioso de se ler... e muito bom, pois claro.
Título: Dinossauro Excelentíssimo
Autor: José Cardoso Pires
Origem: Recebido para crítica
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