Inesperadamente apeado devido a uma apreensão inexplicável do seu carro, Dylan Dog vê-se involuntariamente diante de uma exposição fotográfica sobre sadomasoquismo. Mas, mais do que as fotografias ou a própria artista, é a figura furtiva da modelo que lhe desperta a atenção. Só que ela nunca esteve lá, ainda que Dylan a tenha visto. E é essa presença que lhe inunda as obsessões e os sonhos. A enigmática Laís tem um passado que é preciso desvendar. E, inexplicável como é, só um detective do paranormal pode trazê-lo à superfície...
Tendo em conta o ofício de eleição do protagonista destes livros, não é propriamente uma surpresa a presença de elemento sobrenaturais. E, ainda assim, nunca deixa de ser fascinante a forma como, em cada novo livro, estes assumem novas facetas. Aqui, mantém-se a presença onírica dos sonhos como meio de transmissão de respostas e de concretização dos fantasmas, mas o elemento sobrenatural assume também uma forma mais tangível. Além disso, a ligação entre o elemento BDSM, com os inevitáveis laivos de erotismo, cria um poderoso contraste com outras formas de domínio - e até brutalidade - que vão sendo reveladas. O resultado é simultaneamente fascinante, desconcertante e ligeiramente obsessivo, quase como se as obsessões de Dylan Dog passassem para a cabeça de quem lhe acompanha as aventuras.
Outro aspecto interessante é que, sendo uma aventura mais recente, mostra-nos um Dylan Dog mais velho, o que é realçado não só por uma ou outra observação das personagens, mas pela presença relutante (bem, pelo menos para Dylan) de elementos mais tecnológicos. Os próprios traços do rosto mostram uma figura mais madura, sem lhe retirar nenhuma da sua aura de encanto. Ora, o efeito desta passagem do tempo tem dois benefícios óbvios: primeiro, torna a história mais actual; segundo, enfatiza a intemporalidade do protagonista.
E importa ainda voltar ao elemento onírico para salientar uma impressão visual que é, talvez um pouco difícil de descrever. É uma constante em todos os livros que a arte a preto e branco salienta os jogos de sombra e de profundidade, mas, neste livro específico, há algo mais a emergir. Há como que um tom global mais carregado que parece reflectir o peso das circunstâncias. Das fotografias da exposição aos sonhos reveladores de Dylan, passando, claro, pelos momentos de confronto, é como se uma sombra maior pairasse sobre toda a história, o que, tendo em conta o título do livro, faz especial sentido.
Fascinante, sombrio, absurdamente intenso - e com a mesma aura de amor e de sombra que parece caracterizar todas as aventuras de Dylan Dog. Assim é este Trevas Profundas, leitura breve, mas marcante e transbordante de momentos poderosos. Brilhante, em suma.
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