sexta-feira, 16 de abril de 2021

A Cor Azul (Jaime Soares)

Azul. Do céu, do mar, de luzes que se acendem, de um sabão que serve de marcador, de fenómenos estranhos e de pedras preciosas. Azul também de melancolia e das consequências que ficam depois dos golpes da vida. Azul, presença discreta em histórias com todas as cores do mundo - mas que têm, ainda assim, também nas palavras uma melancolia azul. São de azul os dois contos deste livro - e de um azul mais sentido do que visível.
O primeiro conto, Tesouro, parece expandir-se pelos labirintos de múltiplas formas. Conta a história de um casal de agricultores, ele apegado à terra, ela desejosa de partir para a cidade. E conta também a história de um casal que se vai afastando, de desconfianças moldadas à base de segredos e de um elemento mítico que, aparentemente imaginado, assume outras formas com o desfiar das revelações. Mantém sempre um registo algo ambíguo, como que pretendendo deixar ao leitor as derradeiras conclusões, mas nunca deixa de cativar no contraste entre a intensidade crua de alguns momentos e os laivos quase introspectivos que entre eles se vão cruzando.
Já o segundo conto, Contrato, história de uma investigadora cuja carreira está prestes a chegar ao fim, mantém os mesmos contrastes transpostos para outro cenário e outra vida. Os acontecimentos são bem menos enigmáticos, já sem a presença de uma inefável moira encantada, mas não deixam de ter, ainda assim, o seu lado inesperado, a contrastar com a melancolia que parece definir o percurso da protagonista. Mantém-se também a ambiguidade, mas uma ambiguidade que faz sentido, pois parece evocar um percurso que não se esgota nas partes que são contadas.
De ambos os contos, sobressai ainda a relativa brevidade e o contraste entre as suas poucas páginas e uma escrita tão complexa e enigmática como o percurso das personagens que a habitam. Complexa, mas não na forma, que flui com naturalidade, e sim no tipo de imagens que evoca durante a leitura, surpreendentes e inefáveis como o toque de mistério que as parece envolver.
Muito breve, mas sempre cativante, trata-se sobretudo viagem aos labirintos da mente. Tem como base uma cor, mas expande-se para lá dela. E, feita de contrastes, de surpresas e de enigmas, fica na memória bem depois de terminada a breve leitura. Vale, pois, a pena explorar mais esta cor.

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