segunda-feira, 11 de outubro de 2021

A Mulher de Vestido Vermelho que Dança na Praia (Pedro Rui Sousa)

Vivem-se tempos de mudança e de luta na cidade de Hong Kong, mas, para o protagonista desta história, as lutas e os conflitos são outros, mais pessoais, mais internos. Entre sucessivos encontros amorosos sem grande futuro, projetos de escrita meio dispersos e uma vida de viagens mais ou menos impulsivas, procura uma forma de lidar com dois sentimentos contraditórios que o atormentam: o peso da solidão e o medo da intimidade. O caminho, porém, é tudo menos linear, até porque nem tudo tem respostas na vida. E, aos poucos, vai-se encontrado na procura da mulher que procura. Nem sempre gostando do que vê, mas aspirando a tentar ser quem é.
É nos contrastes da escrita, e no estranho equilíbrio entre uma introspeção poética e uma visão por vezes brutal da realidade, que está a grande força deste livro. Os capítulos curtos tornam mais fluida a sucessão de introspeções. O choque entre espiritual e carnal ganha forma num contraste tão poderoso que é quase avassalador que todos esses momentos possam pertencer a uma única vida. E não faltam frases a ficar no pensamento e ecos de uma vaga identificação, mesmo quando o percurso do protagonista se revela no seu mais pessoal e intransmissível.
Esta proximidade suscitada pelas palavras torna-se ainda mais interessante se tivermos em conta o labirinto de sentimentos ambíguos que o percurso do protagonista parece despertar. Não é propriamente o tipo de vida - e de personalidade - que desperte uma empatia incondicional, até porque parte da sua história é feita de decisões questionáveis. Mas é algo curioso a forma como é possível não simpatizar muito com a personagem e ainda assim compreender o que a move. E reconhecer no seu percurso algo maior do que ela e que suplanta até os tais sentimentos ambíguos.
Tendo em conta todos estes contrastes, que vão das ambiguidades do protagonista a um certo percurso de possível crescimento espiritual, não é de surpreender que o final deixe também muito em aberto. Fica, é certo, uma ligeira curiosidade insatisfeita, tendo em conta a ideia de busca que paira sobre toda a história. Mas fez sentido que tudo acabe como acaba, deixando uma sensação de que nem tudo tem respostas conclusivas (como na vida) e de que há sempre mais caminho para lá da meta (também como na vida).
Poético, mas com uma naturalidade fluida. Ambíguo, mas marcante nos seus contrastes. Introspetivo, mas com uma visão maior para lá do pessoal. Assim é este livro de solidão e de amor(es), feito de iguais medidas de carne e espírito, e muito interessante em todas as suas facetas. Uma boa surpresa, em suma.

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