Antes de se tornar no detetive do pesadelo, Dylan Dog tinha outra vida e um grande amor pela frente. Mas tudo se desfez e agora o único refúgio que lhe resta é o álcool para lidar com as memórias e com a dúvida sobre o que fazer da sua vida. Só que, embora parecendo ter perdido tudo, Dylan não está tão só como imagina. As memórias do passado apontam-lhe uma possível vocação. E os laços que ainda duram do presente podem muito bem bastar para lhe dar razões para continuar... mesmo que essas razões impliquem também uma medida de tragédia.
Há algo de fascinante na forma como as aventuras de Dylan Dog vivem tanto do sobrenatural e do impossível como do absurdamente humano. É, aliás, surpreendente a forma como acabam por ser estas facetas mais humanas a entranhar-se na memória, mesmo quando tudo à volta é estranho e improvável. Ora, este Número Duzentos é provavelmente uma das mais humanas histórias deste detetive sobrenatural, debruçando-se menos sobre mistérios transcendentes e mais sobre as facetas mais duras da vida. É também uma porta para o passado do protagonista. E sendo Dylan Dog quem é... só pode ser impressionante.
Mantêm-se essencialmente as características que tornam cada uma destas aventuras tão interessante. Como habitual, trata-se de um percurso essencialmente independente, embora particularmente enraizado no passado e no futuro do protagonista. Mantém-se também - e a um nível particularmente elevado - o delicado equilíbrio entre humor, mistério e desolação. E, claro, mantém-se o fascínio das imagens, tanto nos cenários mais vastos, como na expressão dos rostos, que adquire neste livro também um impacto particular dadas as situações de várias das personagens.
Mas voltemos ao percurso específico desta história, para salientar, por último, um aspeto particularmente poderoso. É que nas suas sensivelmente cem páginas, carregadas de humor, de leveza e também do inevitável rasgo de aventura, cabem tantas questões e tão sérias que é impressionante a forma como tudo encaixa na perfeição. Do luto ante uma perda ao mergulho no abismo do vício, passando pela ambiguidade de assumir um papel em que não se acredita, há toda uma vastidão de questões relevantes e a intensidade com que surgem e com que se repercutem na história é simplesmente soberba.
Leve, mas profundo. Breve, mas vastíssimo. Cheio de pormenores e de vida, apesar das suas facetas sombrias. Assim é este novo portal para as profundezas da alma de Dylan Dog - intenso, irresistível, fascinante. E inesquecível, como sempre.
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