quinta-feira, 17 de maio de 2012

Somos Todos Um Bocado Ciganos (Manuel Jorge Marmelo)

É difícil pensar no Grande Circo Romani como "o maior espectáculo do mundo", tendo em conta que os artistas não são propriamente os mais fantásticos e que as condições em que trabalham são bastante precárias. Mas a situação está em vias de piorar, com a queda que envia um dos artistas para o hospital e o ataque que leva à morte do burro cantor da companhia. Agora, o futuro do circo é incerto e mais incerto parece aos olhos do adolescente que observa, pequeno como o seu papel na companhia, que tem um sonho que está cada vez mais longe de se realizar e que não compreende quando lhe dizem que se transformou num homem.
Um dos aspectos mais interessantes deste livro é a forma como, numa narrativa que é relativamente breve, é possível discernir várias histórias possíveis. A história do narrador e protagonista, enquanto rapaz em crescimento, com todos os ideais e sonhos impossíveis que se vão desvanecendo com a perda da inocência, cruza-se com a história do circo como um todo, mas também com a de Ricardo e Cristiana e de como o acidente mudou as suas vidas e ainda com a do assassino do burro cantor. Todos estes elementos são desenvolvidos de forma sucinta e, contudo, completa, pois as descobertas do protagonista surgem também em ligação com a história dos que o rodeiam e o resultado é uma narrativa que surpreende tanto pela inesperada complexidade como pela imagem precisa de como o crescimento é não só uma aprendizagem mas também um processo de moldagem da personalidade.
Também a escrita reflecte na perfeição os dilemas e o crescimento do protagonista. Fluída e envolvente, representa com mestria um ritmo de pensamento que parece adequar-se, em todos os aspectos, quer à idade quer ao percurso de descoberta do narrador que conta a sua história. Além disso, a aprendizagem que caracteriza o seu caminho - e, no fundo, grande parte desta história - evolui tanto com as questões que ficam resolvidas em definitivo como com as respostas que nunca chegam a surgir. Como na vida, nem tudo tem uma solução global e ficam sempre coisas por esclarecer, mas todos os pontos essenciais são explorados e as grandes questões da vida estão todas elas presentes ao longo da história. Questões como o preconceito e como lidar com ele, o amor e o sacrifício pela pessoa amada, o impulso e as consequências de fazer justiça pelas próprias mãos... Tudo isto é abordado neste livro e fazê-lo através da visão bastante directa do jovem narrador permite deixar uma impressão particularmente nítida do papel destes assuntos na história.
Este é, pois, um livro que marca tanto pela envolvência da escrita e pela empatia que o protagonista parece despertar como pela forma directa com que as várias possíveis histórias e as principais questões a estas associadas se desenvolvem. Cativante e surpreendente, um livro pequeno, mas muito, muito bom.

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