Dotado do tempo e da inspiração necessárias, um cónego toma papel de cronista para narrar a vida de uma das figuras centrais do seu tempo. O seu protagonista é Gonçalo Mendes, ousado cavaleiro e notável da sua época, presença incontornável em muitas batalhas e moderador de outras tantas intrigas. Esta é a sua história, mas é também a dos seus adversários. E, através do decorrer do tempo, é ainda a narrativa de um narrador mais participante do que seria de esperar.
Crónica da fundação de uma nação - e de antes dela - e também, com todas as batalhas e intrigas, encontros e perdas e um toque de mistério, narrativa de gentes e corações, este livro é, em muitos aspectos, peculiar. E a primeira peculiaridade reside, desde logo, no estilo de escrita. Aproximando-se do tom que seria de esperar de uma crónica da época, o autor imprime ao seu texto um estilo muito próprio, invulgar nos episódios que escolhe para destacar, mas também na fluidez da narração, no ritmo muito peculiar das palavras. Este é um estilo que, diferente em tudo, causa primeiro estranheza e depois fascínio, já que, uma vez assimilada esta voz peculiar, também ela se torna parte do que torna a leitura envolvente.
Outra peculiaridade diz respeito à estrutura, com duas histórias que, inicialmente, se afiguram distante, mas que, aos poucos se aproximam, mesmo tendo elas elementos bastante diferentes. A história do cronista, aparentemente figura acessória, cedo se torna tão interessante como a crónica histórica, com o mistério de determinados crimes a conferir à narrativa um muito curioso toque de mistério. Além disso, se tudo se encaminha para uma necessária - e expectável - conclusão nas guerras travadas por Gonçalo Mendes, o mesmo não sucede com o cronista, cujo mistério culmina num final que, sem dar todas as respostas, surpreende por ser tão adequado à situação.
Quanto à crónica em si, sobressaem os muitos elementos históricos, que, apesar de muitos nomes e lugares a assimilar, são apresentados de forma sempre interessante, em parte devido à forma como são narrados, em parte pelos toques de proximidade, que, quer nas perdas pessoais, quer nas pequenas conquistas, complementam a força dos grandes eventos históricos.
Dificilmente será uma leitura compulsiva. Com tantos dados e particularidades para assimilar, é, necessariamente, um livro que exige do leitor toda a sua atenção. Mas é também um livro que nunca deixa de cativar e que, a cada novo acontecimento, simples ou grandioso, surpreende ou fascina ou comove. E tudo isso cativa neste livro. Muito bom.
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