Apesar do arquivamento do caso, Jeanette Kihlberg não está disposta a deixar cair o caso dos rapazes assassinados. Mas a vida não pára e, aparentemente, os crimes também não. A morte invulgarmente macabra de um homem de negócios cuja vida parece ter alguma relação com casos passados lança Jeanette numa busca por novas pistas. E, apesar de cada pergunta dar origem a apenas mais perguntas, tudo parece convergir para uma mesma pessoa: Victoria Bergman. O problema é que, por mais esclarecedor que seja a descoberta do passado de Victoria, Jeanette está muito longe de suspeitar do lugar onde esta se encontra no presente...
Dando sequência aos acontecimentos narrados em A Rapariga-Corvo, este livro tem também muitos pontos em comum com o anterior. Desde logo, a multiplicidade de perspectivas e a oscilação entre diferentes pontos no tempo, que, associados aos acontecimentos propriamente ditos, contribuem em muito para manter a tão intrigante aura de mistério que continua a ser um dos grandes pontos fortes. Mas também a complexidade das personagens, da forma como as suas experiências as moldaram e do muito de disfuncional que os seus traumas lançaram sobre as suas vidas.
Tendo em conta a natureza dos crimes e a sua íntima relação com o passado, há, necessariamente, um lado muito sombrio em toda esta história, lado este que era já evidente no livro anterior. O que acontece é que, com a evolução dos acontecimentos, a história torna-se bastante mais complexa, quer a nível dos crimes propriamente ditos, quer do que é feito para os desvendar ou ocultar, quer ainda das consequências do sucedido na mente das vítimas e daquilo em que estas se poderão tornar. E se o tema é, por si só, bastante complexo, com a questão dos abusos sexuais a ser, nos casos que Jeanette tem em mãos, a vertente dominante, há, ainda, uma série de elos complementares que levam a que, cada vez que a resolução parece estar mais próxima, novas revelações surgem para abalar todas as teorias.
Esta capacidade de dar a volta aos acontecimentos, apresentando novas possibilidades sem eliminar inteiramente as anteriores, contribui em muito para que a leitura se torne viciante. Mas também o desenvolvimento das personagens é relevante, com as suas personalidades complexas e, no caso de Jeanette, as suas circunstâncias pessoais a reforçar a vontade de compreender e de descobrir o que realmente se passa. E, claro, também a própria estrutura narrativa, que, com capítulos curtos, mas num estilo de escrita que, sem se tornar demasiado divagativo, abre ao leitor os pensamentos das personagens, se adequa na perfeição à intensidade dos acontecimentos narrados.
Intenso e viciante, com personagens tão complexas como a teia de acontecimentos em que se movem, Fome de Fogo expande a intriga e o mistério do volume anterior ao mesmo tempo que abre caminho para uma conclusão da qual tudo se pode esperar. Surpreendente e com um lado sombrio estranhamente fascinante, este é, sem dúvida, um livro que vale a pena ler. Muito bom.
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