Heidi está habituada a dedicar uma boa parte da sua vida ao bem-estar dos outros, ainda que o marido não seja, nem de longe, tão compassivo. Mas há algo mais a impulsioná-la quando vê aquela jovem na estação de comboios, com uma bebé ao colo e sem parecer saber o que fazer. Sem saber bem porquê, Heidi dá por si obcecada pela rapariga e pelos motivos que a terão levado até ali. E, quando descobre que Willow - é esse o seu nome - e a sua bebé não têm para onde ir, não hesita em levá-las para sua casa. Claro que o marido e a filha não concordam lá muito com isso, mas Heidi está decidida, apesar de não saber quase nada sobre a estranha que acaba de acolher. O que Heidi também não sabe é que as sombras no passado da sua hóspede são bem mais profundas do que aquilo que imagina - e que o seu acto de bondade dificilmente ficará impune.
Narrado na primeira pessoa pela voz dos principais intervenientes - Heidi, Willow e Chris - este é um livro em que a acção e o mistério coabitam com os demónios interiores e os pensamentos mais íntimos das personagens. E, assim sendo, a história desenvolve-se tanto nos grandes acontecimentos como nos pensamentos secretos e nas memórias do passado, o que lhe confere um ritmo mais pausado, ainda que igualmente intrigante. Além disso, esta multiplicidade de pontos de vista abre caminho a umas quantas revelações- pois a perspectiva de uma determinada personagem nem sempre corresponde à realidade e aceitar todos os seus pensamentos como verdadeiros pode dar origem a algumas surpresas.
Ao abrir caminho para os pensamentos mais secretos das personagens, a autora permite conhecê-las em toda a sua complexidade. E essa complexidade implica qualidades, claro, mas também imperfeições. Imperfeições essas que, nalguns casos, acabam por deixar uma ideia não muito abonatória da personagem. Mas há uma outra perspectiva a retirar desses pensamentos. As dúvidas, os medos, os traumas do passado - e a diferença entre o que cada pessoa vê e o que o mundo vê nessa pessoa. Isto é particularmente interessante se se tiverem em conta os temas que vão surgindo neste mistério - o abuso de menores, o fanatismo religioso, as reacções a um acontecimento traumático. E se nem tudo nas personagens é propício à empatia, já aos aspectos mais sombrios é difícil ficar indiferente.
Ficam algumas perguntas em aberto, nomeadamente no que diz respeito a algumas personagens secundárias. Matthew e Zoe, apesar de menos presentes, desempenham um papel muito importante no rumo dos acontecimentos, mas, apesar disso, ficam um pouco para trás na fase final, pelo que fica a impressão de que mais haveria a dizer sobre eles. Ainda assim, e tendo em conta a forma como tudo termina para os protagonistas, num ponto de viragem muitíssimo intenso, acaba por fazer sentido a forma como esses aspectos acabam por passar para segundo plano.
A impressão que fica, pois, de tudo isto, é a de um livro que, não sendo de leitura compulsiva, nunca deixa de cativar. E que, na convergência dos caminhos das várias personagens, constrói uma história intensa e intrigante, da qual podem não surgir todas as respostas, mas todas as realmente necessárias. Envolvente e surpreendente, uma boa leitura.
Título: Vidas Roubadas
Autora: Mary Kubica
Origem: Recebido para crítica
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