Quando Veronica Harper e Veronika Harper se cruzaram pela primeira vez, em plena sala de aula, souberam de imediato que iam ser melhores amigas. Além do mesmo nome, Nika e Roni partilhavam também uma mesma paixão: ambas tinham o sonho de ser bailarinas. Mas, ao longo do caminho, o sonho perdeu-se e algo de terrível as separou. Agora, passados demasiados anos, ambas se encontram num ponto de viragem. Nika, depois de uma relação abusiva e de demasiados anos na rua, quer reconstruir a sua vida de uma forma diferente. Roni, depois de anos num convento, sabe que não será capaz de encontrar a paz enquanto não resolver o que ficou no passado. E, mergulhando nas memórias que ficaram por confessar, precisam ambas de encontrar uma maneira de lidar com uma velha traição, encontrar a justiça possível... e perdoar o que puder ser perdoado.
Há algo de incrivelmente fascinante na forma como a autora conjuga neste livro um registo de aparente leveza, em que as emoções e os acontecimentos são vividos à flor da pele e as memórias ganham vida através da escrita, com a profundidade de um tema de uma vasta complexidade. Há uma história de amizade a acontecer - a de Roni e Nika enquanto crianças e a daquelas pessoas boas que cruzam os seus percursos de vida. Mas há também um lado muito mais sombrio nesta história e questões seriamente perturbadoras: abuso de menores, a vida de sem-abrigo, as relações abusivas, as teias de poder nas ruas. E as consequências de tudo isto na mente de quem o vive. E a forma como a autora conjuga estas duas facetas - a leveza da inocência e as sombras de mais que justificados demónios interiores - num livro tão intenso e envolvente é algo de absolutamente fascinante.
Para o impacto de tudo isto contribui em muito a caracterização das personagens. De Roni e Nika, principalmente, que, ao narrarem a história na primeira pessoa, se tornam, aos poucos, num livro aberto. Mas também das várias figuras que, de uma forma ou de outras, lhes definiram a vida. Há vilões incontestáveis e pessoas cuja influência negativa é menos óbvia, mas igualmente insidiosa. E heróis que não o parecem, mas que, nos gestos realmente importantes, revelam a sua verdadeira força. E um conjunto de pessoas que, longe de serem a preto e branco, se revelam em qualidades e defeitos, para dar forma a uma história tão realista que, nos momentos mais negros, chega a ser assustador.
E depois há a forma como a autora prolonga o mistério, recuando gradualmente nas memórias da protagonista e deixando as revelações para o momento em que elas são mais importantes. É verdade que estes recuos ao passado acabam por deixar algumas facetas do presente para segundo plano (nomeadamente na relação de Roni com o possível namorado e na de Nika com a irmã). Mas também o é que a história se centra essencialmente nas duas amigas. E, no que a elas diz respeito, a forma como tudo se organiza, culminando num final muitíssimo intenso, quase roça a perfeição.
Intenso e surpreendente, emotivo e perturbador, Um Novo Amanhã acaba por ser muito mais que a história de uma amizade. É um olhar ao lado mais negro da vida e, ao mesmo tempo, às possibilidades de superar os mais negros de todos os traumas. E é isso, afinal, a forma como a força da amizade se prolonga para lá das horas mais sombrias, que torna esta leitura tão fascinante. E memorável.
Título: Um Novo Amanhã
Autora: Dorothy Koomson
Origem: Recebido para crítica
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