quarta-feira, 6 de julho de 2016

Victor e Macha (Alona Kimhi)

São jovens, mas há muito conhecem as dificuldades da vida. Intempestivos,não se reconhecem no papel que lhes está reservado e vêem o seu novo país como um mar de possibilidades e tribulações. Com pouco mais de um ano de diferença, Victor e Macha vivem o laço que os une enquanto irmãos com tanta fúria quanto amor nos corações. E sabem, ainda que não queiram admitir, que, por mais relações que criem com os que os rodeiam, haverá sempre uma cortina a separá-los do mundo. No seu novo país, Israel, tudo parece transbordar de aceitação e tolerância. Mas a verdade não é assim tão simples...
Algo que desde muito cedo se torna claro neste Victor e Macha é que a leitura nunca será nem leve nem fácil. E por duas razões. Primeiro, pela complexidade do próprio enredo, em que laços e acontecimentos com tanto de afectuoso como de disfuncional se cruzam numa teia elaborada. E segundo, porque também a escrita, que percorre amplamente os pensamentos e emoções das personagens exige concentração para que nenhum dos detalhes escape. Ora, nada disto retira envolvência à narrativa. Muito pelo contrário. A complexidade de personagens, contexto e acontecimentos apenas torna mais interessante a descoberta do mundo que nos é revelado. Mas, para assimilar por inteiro a dimensão da história, são necessários tempo e concentração.
Dito isto, são vários os pontos de interesse neste livro. A escrita, desde logo, que, mesmo nos momentos mais descritivos, tem uma agradável fluidez, mas também a forma como a relação entre os protagonistas vão sendo construída - moldada, derrubada, reerguida - através de todos os acontecimentos. Victor e Macha são jovens à descoberta de si mesmos e a verdade é que, apesar de tudo o que os rodeia, o cerne da narrativa é o seu processo de crescimento. E este processo, que é feito em simultâneo da relação entre os dois e da forma como interagem com o resto do mundo, tem tanto de inocente como de disfuncional.
O que me leva à faceta mais estranha (e, talvez, mais fascinante) deste livro: a construção das personagens. A verdade é que não há, ao longo da história, nenhuma personagem que desperte empatia incondicional. A maior parte do tempo, aliás, acontece precisamente o contrário. Mas depois há momentos em que tudo parece mudar, em que um laivo de inocência, ou de afecto, ou de coragem, aflora à superfície. E, nesse momento, a verdadeira natureza das personagens assume-se na sua verdadeira complexidade. Ninguém é só um acto ou uma atitude. E a forma como isso transparece de um conjunto de personagens em que os defeitos são muitas vezes mais vincados que as qualidades é algo de estranhamente fascinante.
É um livro exigente, sim. E não o é apenas pela complexidade da narrativa, mas também pela dureza do seu estranho equilíbrio entre inocência e crueldade. Mas é isso, afinal, esse equilíbrio de um todo que ultrapassa a soma das partes, em que tudo é mais complexo do que parece e, apesar disso, tudo faz sentido, que faz com que esta leitura valha a pena. Porque é possível odiar as personagens. Mas, mesmo assim, há algo de terno na sua história. E tudo isto a torna memorável.

Título: Victor e Macha
Autora: Alona Kimhi
Origem: Recebido para crítica

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