Tudo começa quando Evie vê as raparigas. Tão soltas, tão diferentes, tão despreocupadas. A curiosidade é imediata e as limitações do seu próprio mundo adolescente só ajudam à atracção. Depois, o seu caminho volta a cruzar-se com o de Suzanne - e a atracção torna-se fascínio. Evie vê-se atraída para o rancho, onde uma estranha comunidade parece ter-se formado em torno de Russell, o seu estranho e carismático líder. Aí, tudo é novo e as regras são poucas. Quase tudo é permitido. Mas, quando as aspirações do líder são contrariadas, as consequências podem ser imprevisíveis. E Evie, ainda e sempre fascinada por Suzanne, não vê - ou escolhe ignorar - os sinais de alerta.
Não é propriamente fácil encontrar palavras para descrever este livro sem revelar demasiado. Há um crime no cerne do enredo, mas a história não é a do crime, mas da vida antes e depois desse ponto de viragem. Há um grupo, uma espécie de seita, mas a protagonista ocupa um papel como que no limiar entre o seu núcleo e o mundo exterior. E, assim sendo, tudo se constrói num equilíbrio delicado, em que a história que a protagonista conta surge, por vezes, como testemunho e, noutras, como fruto da sua imaginação.
Ora, isto confere à história um ritmo algo peculiar. A narradora, uma Evie adulta, vive um presente enquanto recorda o passado - e é possível ver as marcas desse passado no presente. Mas a história central é precisamente a do passado e a forma como Evie a conta, entre introspecções e visões de si mesma no que poderia ter sido, faz com que algumas partes do enredo pareçam ser contadas de forma algo vaga. Não é que fique algo de essencial por dizer, mas antes a impressão que fica de que os grandes acontecimentos são deixados para bastante tarde, surgindo como que na senda de uma viagem interior que - para Evie, pelo menos - é mais importante do que o crime em si.
O resultado é a sensação de que, ainda que a história de Evie seja completa, haveria mais a dizer sobre a comunidade e os seus outros elementos. Pequenas coisas que, não sendo essenciais ao enredo, poderiam, talvez acrescentar-lhe uma perspectiva mais ampla. Ainda assim, sendo a história narrada na primeira pessoa por alguém que chegou a meio e que estava ausente em alguns dos acontecimentos mais relevantes, não deixam de fazer sentido essas perguntas sem resposta. Pois talvez a própria Evie nunca as tenha descoberto.
Não é propriamente uma leitura compulsiva. Tanto o estilo de escrita como o tom do próprio enredo conferem à narrativa um ritmo relativamente pausado. Mas é interessante, ainda assim, notar como, aos poucos, o fluxo dos pensamentos de Evie se vão tornando mais próximo, conferindo à história que conta uma maior intensidade. E assim, da estranheza inicial surge uma envolvência crescente - que culmina na impressão final de uma boa história... e de um livro que vale a pena descobrir.
Título: As Raparigas
Autora: Emma Cline
Origem: Recebido para crítica
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