Vinte e quatro de Setembro de mil novecentos e oitenta e quatro. No escritório de um solicitador na Avenida da República, há uma tragédia prestes a acontecer. Tudo porque, sem o conhecimento do dito solicitador, a irmã deste e alguns seus conhecidos decidiram investir as provisões dos clientes nas promessas da Banqueira do Povo. E tudo correu bem... até ao dia em que deixou de correr. Agora, grandes mudanças se avizinham. Desesperado, o doutor Alves dos Anjos acaba, na tentativa de se defender, por causar a morte de quem menos queria. A irmã e secretária, essa, tem outros planos para o futuro. E dessa primeira tragédia nascem outros ganhos... e outras perdas. Porque tudo é um ciclo de ambições e de enganos.
Um dos aspectos mais curiosos deste livro é que, apesar de se poder apontar a tal questão do solicitador como elemento agregador de toda esta história, não há propriamente um protagonista ou uma linha central nesta história, mas antes um conjunto de peripécias que, no seu conjunto, foram a crónica de toda uma (má?) vizinhança. E, sendo certo que esta multiplicidade de histórias e de personagens faz com que fiquem algumas perguntas sem resposta, também o é que todos os elos desta cadeia têm algo de fascinante.
Talvez por isso, é nas diferentes perspectivas com que as várias partes da história são contadas que reside o grande ponto forte deste livro, já que cada narrador acrescenta algo de novo, lança um novo olhar sobre o sucedido, chega inclusive a contradizer o anterior. Há sempre dois (ou mais lados) para a mesma história e a existência de diferentes versões dos factos torna mais realistas os aspectos mais caricatos, pois cada um vê o sucedido da forma que mais lhe convém. Como tantas vezes acontece na vida real.
Isto leva-me, inevitavelmente, aos acontecimentos propriamente ditos. É que, sim, há tragédias, há perdas, há grandes prejuízos na vida destas personagens. Mas o que há mais é bizarria. E esta bizarria, seja nos comportamentos inesperados, seja na forma como a própria estruturação dos planos de algumas personagens ganha forma, tem muito de inesperadamente divertido. E acaba por ser também isso a cativar para esta leitura.
A soma de todas estas partes não podia ser outra coisa que não um livro peculiar. Mas, intrigante em toda a sua estranheza, inesperadamente divertido e com uma escrita que parece ajustar-se na perfeição à história (ou histórias) que tem para narrar, é também um livro que acaba por ficar na memória. Por tudo o que tem de diferente e também por tudo o que tem de bom. Gostei.
Título: Deus Também Tinha Animais
Autor: Nuno Sobral
Origem: Recebido para crítica
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