Tudo começou com uma chamada de Bruxelas, que fez o ministro largar tudo e organizar uma partida apressada. Mas, graças à tempestade que assolava a Europa, o avião em que seguia acabou por se despenhar. Agora, o ministro dá por si entre a vida e a morte, na companhia de um salvador improvável, que o encontrou quando tudo parecia perdido na sua luta pela sobrevivência. Pois a tempestade persiste e estão agora ambos no limiar da morte. É preciso fazer alguma coisa, dar o passo seguinte. Mas poderá lutar para vida quem se sente já morto? E sobreviver à tempestade significará vida... ou o início de uma morte mais lenta?
Improvável e intrigante. Esta seria uma boa forma de definir este livro. Improvável, porque todo o percurso do protagonista é uma sucessão de estranhezas, que, embora estranhamente credíveis na forma como se constroem, não deixam de ter, ainda assim, algo de surreal. E intrigante porque, ao longo de todo este percurso, há toda uma sucessão de acontecimentos e revelações, que, mais ou menos estranhas, mas sempre intensas e inesperadas, insistem em alimentar a cada passo a sempre presente vontade de saber mais.
É tudo muito invulgar nesta narrativa. Nem sempre é fácil imaginar que o protagonista possa realmente passar por tanto e viver para passar pela aventura seguinte. E, porém, de certa forma, tudo faz sentido. A estranheza das pessoas com quem se cruza, a interpretação (e os delírios) que faz das suas próprias circunstâncias, as decisões que toma ao longo do caminho e os escrúpulos ou falta de que parecem motivá-las. É estranho, por vezes, difícil de explicar, até. Mas atinge, na sua jornada, uma estranha e muito agradável harmonia. Harmonia essa que acaba por ficar na memória bem depois de terminada a leitura.
Também a escrita em si contribui para isso, pois também ela é peculiar. Evocando, a espaços, rasgos de poesia, com rima incluída, parece conferir a todo o enredo a estranheza de um sonho - tanto nos sonhos como na realidade do protagonista. Além disso, há uma certa fluidez, como que de voz da consciência do protagonista, que torna tudo mais intenso, mais genuíno. E, o que é talvez uma surpresa, tendo em conta a abundante estranheza do enredo, mais natural.
E é assim que chegamos ao tal resultado: improvável e intrigante. Num livro que é todo ele uma grande surpresa construída de pequenas estranhezas e inesperada naturalidade. Uma boa leitura, sem dúvida alguma.
Título: Os Homens que os Pássaros Comem
Autor: Francisco Sousa Vieira
Origem: Recebido para crítica
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