Samuel é um homem solitário, habituado à calma de uma vida dividida entre as suas aulas de Literatura Alemã e os seus pequenos prazeres tranquilos. Mas tudo muda quando um gato sem dono lhe aparece à porta e Samuel lhe dá um prato de leite. Primeiro, pensa em arranjar um dono para o gato, mas descobre que isso vai levar algum tempo. E Mishima, o irrequieto felino, parece ter planos para o seu dono. Primeiro, leva-o à porta de um vizinho que precisa de ajuda. E este, por sua vez, leva-o a outro encontro fortuito com uma pessoa do seu passado que Samuel nunca esqueceu. Passaram trinta anos desde a última vez que a viu, mas basta um olhar para reconhecer Gabriela. E, subitamente acompanhado por mais amigos do que alguma vez julgou ter, Samuel dá por si numa estranha missão: fazer-se recordar a Gabriela, mesmo que a sua própria vida se tenha tornado um turbilhão.
Estranha mistura de leveza e de estranheza, contada de uma forma muito simples e pessoal e, porém, com uma boa dose de filosofia à mistura: assim se poderia definir este livro. Um livro onde a normalidade não é propriamente um traço abundante e onde, apesar disso, tudo parece fazer sentido de uma forma natural. E isso nota-se, desde logo, no protagonista: Samuel parece levar uma vida normal, ainda que solitária, mas a vastíssima capacidade de pensar - e pensar, e pensar - em tudo o que pode acontecer conferem-lhe um certo toque de loucura que se revela nos momentos mais inesperados. E tendo em conta que essa mesma loucura está também presente em várias outras personagens, o resultado é um conjunto de peripécias muito simples, mas muito estranhas... e cativantes.
Há também um lado curioso na forma como o autor equilibra este lado caricato e divertido do enredo com a parte filosófica. As introspecções do protagonista, as suas divagações literárias, a estranha e inspiradora obra do seu vizinho, o excêntrico Valdemar... há em tudo isto um lado quase místico, e esse estende-se aos próprios acontecimentos, pois faz com que as personagens acabem por desencantar as mensagens mais inesperadas. É certo que estes laivos de introspecção dão ao livro um ritmo um pouco mais lento. Mas também o tornam mais interessante.
Ficam perguntas sem resposta - e não são poucas. Mas também isso parece ser propositado, pois uma das lições aprendidas pelo protagonista é a de que as perguntas levam a mais perguntas - e não necessariamente a respostas. E, por isso, apesar da inevitável sensação de uma certa curiosidade insatisfeita (sobre Valdemar, sobre a vida de Gabriela no Japão, sobre algo tão simples como de onde apareceu o gato), faz todo o sentido que essas questões sejam deixadas em aberto.
A impressão que fica é, pois, a de uma história de coisas simples e bizarras, coisas que, do mais pequeno dos gestos, podem fazer uma grande revelação. Cativante, divertido e invulgar, um livro surpreendente e enternecedor. E uma boa leitura, claro.
Título: Amor em Minúsculas
Autor: Francesc Miralles
Origem: Recebido para crítica
Espero ler um dia este livro, quando o conseguir numa biblioteca, emprestado ou em alguma promoção!
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