Guylain Vignolles vive num dilema permanente: gosta de livros, mas trabalha numa fábrica que os destrói. E a única forma que tem de lidar com a situação é resgatar umas poucas páginas da máquina destruidora e lê-las, em voz alta, no comboio, para quem o quiser ouvir. Mas tudo muda quando, no banco que todos os dias ocupa, encontra uma pen perdida com o que parece ser o diário de uma desconhecida. Então, a leitura ganha outro significado. É que, ao ler as palavras de Julie, a vida começa a parecer-lhe um pouco melhor. E Guylain sabe que precisa de encontrar essa mulher - mesmo que as poucas pistas no diário lhe dêem apenas uma parca esperança.
Bastante breve, com uma história essencialmente simples e, porém, com uma estranha proximidade emocional, pode dividir-se este livro em duas facetas distintas e complementares: primeiro, a relação do protagonista com a leitura, em contraste com a profissão que escolheu para si; segundo, os textos de Julie e a descoberta do seu quotidiano. São duas partes que contrastam e se completam, pois se a vida de Guylain na destruição de livros e solitária e dividida, também a de Julie o é à sua maneira. E, assim, há duas partes que se completam, ainda que outros aspectos acabem por passar para segundo plano.
É na vida de Guylain que estão os elementos mais interessantes da história: as suas leituras, quase como que num acto de revolta contra a destruição constante a que preside; a forma como lida com o acidente do seu antecessor e a amizade que prevalece para lá de tudo; e, por fim, a abertura gradual a um mundo mais amplo, primeiro, nas visitas a um novo público e, depois, na descoberta do diário de Julie. É como se houvesse uma certa evolução a acontecer, uma abertura à vida, e a forma simples e pessoal como este percurso é contado torna tudo mais próximo, mais emocionante. Mais enternecedor.
Ficam perguntas sem resposta, sim. Ao acompanhar fundamentalmente o percurso pessoal do protagonista, há partes da história e pequenos mistérios que ficam por aprofundar. Ainda assim, a alma essencial da história é o próprio Guylain e a forma como passa do leitor tímido, que dá voz às palavras salvas para lidar com as que destrói, a um novo Guylain que descobre novas experiências, novas amizades... e mais. E, tendo isto em conta, é o mais simples que acaba por ter mais impacto: os pequenos gestos do protagonista, a forma como ganha coragem para se atrever um pouco mais, a ternura transbordante que, bem escondida, de início, parece ser, afinal, a base fulcral da sua natureza. Tudo isto em menos de duzentas páginas cheias de surpresas, de momentos enternecedores e, sim, também de pequenas e deliciosas bizarrias.
Breve, simples e de uma ternura invulgar: assim se poderá definir, pois, este O Leitor do Comboio. Um livro em que não há, de facto, todas as respostas - mas em que, tal como na vida, a verdadeira magia está nas pequenas coisas. Gostei.
Título: O Leitor do Comboio
Autor: Jean-Paul Didierlaurent
Origem: Recebido para crítica
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