sexta-feira, 1 de setembro de 2017

O Homem que Preferiu não Sentir (Gonçalo Alves da Cunha)

Sebastião é um jovem pintor em luta consigo mesmo. Sente intensamente, mas não sabe porquê. E, levado pelos sentimentos, deixa-se contagiar pelos entusiasmos dos amigos e pelo fogo da paixão, para depois olhar para si mesmo e questionar a pertinência de tudo isso. Dividido entre o que sente e o que pensa, vê-se perdido na vida real. Recém-licenciado, não consegue escolher entre um emprego que o sustente e a dedicação exclusiva a uma arte de que duvida. Fascinado por uma mulher, vê-se resvalar aos poucos para a repulsa perante aquilo que sente. E, cada vez mais afastado do mundo em que se move, questiona os sentimentos, sem saber como os tolerar ou de que forma se livrar deles. 
Focado mais no interior do protagonista do que na sua vida interior, este é um livro essencialmente introspectivo. Sim, há coisas a acontecer - e coisas bastante relevantes - mas tudo é visto do ponto de vista de um jovem que se analisa a si mesmo. Ora, isto parece ter efeitos contraditórios. Por um lado, aproxima o leitor da complexidade dos sentimentos do protagonista, já que, seja no delírio da criação artística, seja perante uma manifestação que correu mal, seja ainda na descoberta do amor e da forma como este se desvanece, tudo é narrado do ponto de vista de uma mente em permanente análise. Por outro lado, este registo confere à narrativa um tom consideravelmente mais pausado, em que os pensamentos e devaneios de Sebastião se sobrepõem, muitas vezes, aos acontecimentos que efectivamente vive.
Ora, isto tem um efeito curioso, já que, embora o protagonista pareça assumir-se quase como sendo o centro do seu universo, há no seu caminho um olhar bastante interessante sobre o mundo em que efectivamente se move. E daqui emergem questões muito pertinentes, como as dificuldades de um jovem perante a entrada no mercado de trabalho, a defesa dos ideias em oposição à realidade, a visão da arte como disruptiva, ou simplesmente expressiva e, num âmbito mais geral, a efemeridade de todas as coisas e sentimentos. Há muito bom material para reflexão nesta jornada e um muito intrigante contraste que dela emerge: Sebastião é um indivíduo peculiar, mas no qual é fácil reconhecer pontos comuns. 
Também a escrita contribui para o ritmo pausado da narrativa, já que, no seu estilo elaborado e em tom de registo de pensamentos, torna o avanço do enredo bastante mais lento. Mas, se tivermos em conta que o cerne da história está, não nas experiências exteriores, mas na revolução interior do protagonista, faz sentido que assim seja. Principalmente considerando a forma como tudo termina, as longas introspecções de Sebastião revelam-se essenciais para a compreensão do que o move. 
Não é propriamente uma leitura compulsiva, pois a extensa componente introspectiva e o facto de as grandes mudanças serem interiores impede que assim seja. Ainda assim, há na história de Sebastião muito de cativante, quer nas vivências exteriores, quer nos labirintos do seu pensamento. No fim, é isso que fica na memória - um retrato das complexidades humanas. E isso é mais do que suficiente para fazer deste livro uma boa leitura. 

Título: O Homem que Preferiu não Sentir
Autor: Gonçalo Alves da Cunha
Origem: Recebido para crítica

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