quarta-feira, 4 de outubro de 2017

O Último Reino (Bernard Cornwell)

Aos dez anos, ao conhecer a guerra pela primeira vez, Uhtred de Bebbanburg perde o pai e é levado pelos dinamarqueses. Primeiro, a intenção seria receber por ele um bom resgate. Porém, Bebbanburg foi usurpado pelo tio de Uhtred e consentir no resgate seria aceitar a sua morte. É então que o dinamarquês que o capturou, Ragnar, o Destemido, escolhe comprá-lo e acolhê-lo na sua vida. Mais que um escravo, Uhtred torna-se filho do conde Ragnar e com ele aprende as artes da guerra. Mas os dinamarqueses não se contentam com a Nortúmbria e, à medida que avançam para a desejada conquista de toda a Inglaterra, intrigas e inimizades começam a ganhar forma. E, tendo diante de si a maior das traições, Uhtred vê-se forçado a virar costas às gentes que o acolheram e a regressar para o lado onde pertence. Ainda que também aí haja ódios e intrigas em abundância.
Parece ser uma característica comum nos livros deste autor - e este não é excepção - o delicado equilíbrio entre um contexto histórico vasta e pormenorizadamente descrito e uma história em que é incrivelmente fácil entrar na pele das personagens, equilíbrio esse que faz com que a vastíssima componente descritiva, que inevitavelmente confere ao livro um ritmo mais pausado, nada retire à envolvência da narrativa e à necessidade de saber sempre mais. Este é um aspecto que se evidencia desde muito cedo - com a extensa caracterização dos poderes da época a contrastar com a imagem inicial de um muito jovem Uhtred a descobrir um mundo muito mais duro do que imagina. E este contraste entre a dureza do mundo e a humanidade das personagens - contraste que se mantém bem vivo ao longo de toda a narrativa - realça o impacto dos grandes momentos, bem como o significado dos pequenos gestos.
Escusado será dizer que Uhtred, protagonista e narrador do livro, é a alma e o cerne de tudo isto. É também de uma complexidade fascinante, e, ao longo de toda a narrativa, é possível acompanhar não só o seu crescimento e compreensão do mundo como vê-lo assumir o papel que o destino lhe atribuiu. Uhtred tem todas as características de um herói - e tem também as vulnerabilidades que o humanizam. É forte, é capaz, tem tudo para ser um líder - mas tem também a arrogância da juventude, as mágoas e as perdas que marcam qualquer ser humano, as dúvidas escondidas sobre uma fachada de confiança. É complexo. É completo. E é provavelmente por isso que é uma personagem tão carismática.
Há ainda um outro ponto que sobressai. Da mesma forma que a história se constrói sobre um equilíbrio entre contexto histórico e percurso individual, também as batalhas de Uhtred se dividem entre as motivadas por razões pessoais e a batalha maior pela sobrevivência do reino. Ambas com a sua devida relevância, ambas devidamente equilibradas e ambas repletas de momentos memoráveis. E, sim, claro que ficam várias questões em aberto - ou não fosse este o início de uma série maior. Mas, curiosamente, até o fim parece estar precisamente no sítio certo - no término de uma batalha que fica devidamente encerrada, mas que pode também ser ponto de viragem para algo mais.
Complexo, cativante e com um equilíbrio quase perfeito entre as múltiplas facetas que constituem a história, eis, pois, um livro em que todos os pormenores são relevantes. Com um contexto interessantíssimo e um enredo repleto de grandes momentos, um início mais que memorável para uma história que promete muito mais. E, assim sendo, um livro altamente recomendável. 

Título: O Último Reino
Autor: Bernard Cornwell
Origem: Recebido para crítica

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