segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

O Homem que Matou o Diabo (Aquilino Ribeiro)

Uma visita fortuita fez com que o caminho de Máxima, célebre actriz, se cruzasse com o de Macário, que imediatamente fica enfeitiçado por ela. E agora, incapaz de a esquecer, apesar do seu lugar seguro e do conformismo que sempre o manteve ali, eis que, sem conseguir resistir à tentação, Macário parte numa peregrinação invulgar. É que Máxima incumbiu-o de esculpir o seu busto. E isso - bem como o amor inebriante que o consome - basta para levar Macário a atravessar Espanha e parte de França a pé, passando por inúmeras provações, em nome de um amor que não consegue esquecer. Só que o amor não basta - muito menos para alguém como Máxima. E o que Macário julgava ser o fim da sua via sacra poderá ser apenas o início...
Denso, pautado por vastas reflexões, descrições tão extensas como a paisagem que retratam e uma linguagem também muito elaborado, este é um livro que exigirá o seu tempo, mas que não deixará de trazer as suas recompensas. Leva o seu tempo, porque ao ritmo pausado associa-se uma visão surpreendentemente ampla de certos temas de fé e moralidade - principalmente tendo em conta a quase improvável inocência inicial do protagonista. Mas vale a pena, pois, além da peregrinação física de Macário, com todas as suas aventuras e desventuras, há também como que uma peregrinação interior, da inocência de uma fé cega à percepção de um mundo muito mais complexo e cruel.
Há toda uma multiplicidade de facetas em torno da figura de Macário, personagem central de toda esta aventura. Enquanto homem apaixonado, deixa-se levar pelo seu demónio interior até ao mais amargo dos cálices. Enquanto inocente, vê-se perante um mundo cujas forças nunca conseguirá realmente vencer. E se, ao longo do seu caminho, há todo um conjunto de momentos notáveis - das situações mais caricatas às mais inesperadamente comoventes - é o final que realmente marca. O Macário do final deste livro está muito longe de ser o do início e, mais do que as longas palavras dedicadas ao seu mentor, são os derradeiros gestos que o provam. Do homem que tinha medo dos ruídos do convento abandonado nada resta. E as escolhas, essas... bem, nada faria prever que fossem de tal molde.
Mas, voltando ainda à questão da densidade da escrita, pois faz também um certo sentido que assim seja. A história de Macário é um aprofundar das percepções do mundo, uma descoberta de que a vida é muito mais complexa e mais dura do que o que sempre lhe foi ensinado. É certo que este alongar de explicações e pensamentos torna a leitura mais pausada. Mas também o é que realça a transformação operada em Macário: da inocência de uma criança grande à indiferença de um homem duro como a vida.
Repito-me, pois, em jeito de conclusão, dizendo que é, de facto, um livro que leva o seu tempo, mas que vale muito a pena. Pois, com o seu protagonista invulgar e o atribulado percurso de crescimento para ele construído, consegue reflectir na perfeição algumas das facetas mais duras do mundo e dos homens. E é também essa familiaridade que torna a leitura notável. 

Autor: Aquilino Ribeiro
Origem: Recebido para crítica

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