Kath sobreviveu quase miraculosamente a um acidente de viação, mas o traumatismo sofrido deixou-a com amnésia retrógrada. Por isso, não entende bem a hostilidade velada do marido nem o que parece ser um retrocesso nos comportamentos da filha de nove anos. Só que o fingimento só chega até certo ponto e, quando lhe é revelado que, na verdade, o que Kath fez foi tentar suicidar-se, ela começa a questionar. Porque o faria? Como seria capaz de deixar a filha sozinha? Mas há algo mais que não bate certo. Sente-se observada, ameaçada. E a filha diz ver um homem na charneca que às vezes parece ser o pai. Terá realmente Kath tentado suicidar-se? Ou o que aconteceu foi algo de mais sombrio... e inacabado?
Com um ritmo invulgarmente pausado para o género e uma considerável componente descritiva (ou não tivesse a charneca um papel tão importante em toda a narrativa), este é um daqueles livros que demora o seu tempo a entranhar-se, não só pelo passo mais lento do enredo, mas também pelas próprias personagens, cujos comportamentos não parecem inicialmente fazer sentido. Mas há um lado positivo a contrapor a este aspecto. Primeiro, o avanço mais lento e o ambiente sombrio reforçam em muito a aura de mistério que envolve toda a história. E isso, associado à estranheza de certos comportamentos das personagens, faz com que as revelações, quando surgem, tenham um impacto muito maior.
Também bastante intrigante é o facto de quase todas as personagens terem um ou outro segredo a preservar. O grande mistério é, claro, o que aconteceu a Kath e é esta linha que conduzirá ao crescendo de intensidade que culmina num final fortíssimo. Mas o facto de haver outros segredos - alguns sem qualquer relação com a linha principal da história - acrescenta complexidade à história, ao mesmo tempo que desvia as atenções de algumas possíveis pistas, tornando mais imprevisíveis as grandes revelações.
Talvez se deva, em parte, ao ambiente misterioso da charneca, mas há também uma certa poesia no fluir do enredo. Surgem, principalmente nos pensamentos de Kath, várias frases e imagens memoráveis, o que, além de tornar a leitura mais marcante, permite também uma melhor compreensão das profundezas da mente da protagonista. Ora, tendo em conta que nem ela recorda os porquês do que aconteceu, este desvelar de pensamentos tem um impacto especial e cria uma base de empatia numa história repleta de tensões.
Misterioso e intrigante desde o início, vai ganhando força com o desvendar dos mistérios. E, pelo caminho, revela também as forças de um conjunto de personagens que, inicialmente contraditórias, acabam por deixar a sua marca na história. A soma das partes é um daqueles livros em que a estranheza inicial dá lugar a um grande fascínio. E é isso que faz com que fique na memória.
Título: A Menina do Bosque
Autor: S. K. Tremayne
Origem: Recebido para crítica
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