A fotografia de uma mulher deslumbrante, cujo contacto desencadeia uma explosão, fazem do comandante Raul Morales uma figura mítica, pois o fascínio por essa mulher, que o levou a pegar na fotografia, fizeram com que ficasse cego e passasse o resto da vida a coleccionar amantes na esperança de encontrar a mulher que nunca viu. Mas não existe história com apenas uma versão e foi o seu amigo a construir-lhe a lenda. Raul Morales tem, pois, múltiplas vidas e também mais do que uma morte. À semelhança de um misterioso Don Juan que, em contacto com um homónimo do amigo de Raul Morales, lhe propõe também um desafio de amor traçado em morte...
Mais do que uma história de amor e de morte - ou duas, porque, embora ligadas por um mesmo nome, a história de Raul Morales e a de Don Juan são essencialmente independentes - esta é, sobretudo, uma história de ambiguidades. Para o comandante, traçam-se múltiplas possibilidades, mais de lenda do que de verdade absoluta, ao ponto de, mesmo quando conta a "verdadeira história", o narrador deixar dúvidas no leitor. E quanto a Don Juan, as dúvidas expandem-se para a própria existência, pois parte do percurso acontece sob o efeito de substâncias e outra sob a influência de uma aparente loucura.
Isto é particularmente notável se tivermos em conta que se trata de um livro de menos de cem páginas, em que tudo parece ser contado de forma bastante concisa e deixando até umas quantas perguntas sem resposta. Há como que um contraste profundo entre o muito que não é dito sobre algumas personagens - como é o caso da relação de Celine com o comandante ou da de Cecília com o misterioso Don Juan - e as múltiplas versões contadas para o mesmo percurso. Quase como se fosse um sonho das personagens - ou talvez do próprio narrador.
E há ainda um outro aspecto curioso. É que a brevidade contrasta com um estilo de escrita onde há espaço para mais do que a linha central do enredo. Há descrições de cenários e episódios de guerra, a introspecção sobre a existência num lar, pensamentos sobre o amor e a morte e a proximidade que parece existir entre ambos. Tudo num ritmo que é conciso quanto baste, mas que tem também o seu potencial de reflexão.
Breve, mas surpreendentemente intrincado, improvável, mas com um toque de universalidade, trata-se, pois, de um livro composto de amor e morte em múltiplas facetas. Ambígua, sempre, mas sempre cativante, uma história - ou duas, talvez - concisa, mas muito interessante.
Autor: Onofre dos Santos
Origem: Recebido para crítica
Muito obrigado ao Corvo pela sua leitura perfurante deste Raul Morales.
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