Chegam aos pares, um com ar aprumado e elegante, outro com ar de quem está ali mais para o trabalho físico. Trazem a mesma intenção. «Viemos para instalar o medo.» E qual equipa técnica de uma qualquer empresa de comunicações, é exatamente isso que estão ali para fazer: instalar o equipamento e depois demonstrar como funciona. Para bem da nação. E a mulher, vítima inocente que lhes abriu a porta, depois de ter escondido o filho na casa de banho, não tem alternativa a não ser deixá-los entrar e fazer o que têm para fazer. Porque o medo... Bem, o medo está em toda a parte. E o produto que os dois homens têm para lhe oferecer (ou impor) é mais abrangente do que, à primeira vista, seria de esperar.
Comecemos... pelo início. E pelo início porque a primeira coisa a chamar a atenção para este livro é, desde logo, a premissa. A instalação do medo em forma quase que de qualquer serviço de telecomunicações parece uma ideia curiosa, não parece? E basta realmente para despertar a curiosidade para esta história que, além de absurdamente certeira na forma como reflete os medos que temos instalados em nós, é toda ela cheia de surpresas. Além, claro, de muito cativante na surpreendente leveza com que aborda tantos - e, oh, tão profundos - medos.
E, por falar em medos instalados... Será que se olharmos bem para o mundo não reconhecemos estes mesmos medos cravados na nossa vida real. Lembram-se dos mercados? Dos sacrifícios? Do "andámos a viver acima das nossas possibilidades"? E claro que se lembram da pandemia, do medo do outro, dos que "vêm para cá roubar o que é nosso". São temas que não podiam ser mais atuais. E tudo isto está bem presente neste livro, numa imagem que, além de inesperada pela forma, o é também pela surpreendente leveza - e pela acutilância que se esconde atrás dela.
Ainda um último ponto a sobressair é como que uma certa intemporalidade. O ambiente da história não é o nosso presente. Tanto quanto sei, ainda não anda por aí ninguém a instalar o medo nas casas das pessoas... pelo menos, não de forma tão técnica. Existem, aliás, certos aspetos que apontam para um possível futuro, talvez ligeiramente apocalíptico... E, ainda assim, não faltam referências fáceis de reconhecer e medos - sempre os medos, claro - que não podiam estar mais presentes na nossa atualidade. Não é (ainda) o mundo em que nos movemos. Mas podia ser... Podia ser.
Surpreendentemente leve e de uma perspicácia irresistível, trata-se, em suma, de um equilíbrio certeiro: uma leitura leve sobre temas que são tudo menos isso e que acerta em cheio na sua análise aos medos recorrentes da nossa sociedade. Lê-se num instante, é certo... mas dá muito que pensar.
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