quinta-feira, 9 de setembro de 2021

Madrugadas (José António Pinto)

Impressões de buscas, de encontros, de olhares para o interior da alma e para as profundezas do mundo. Impressões de madrugadas insones, conturbadas, introspetivas, meditabundas. Impressões de vida e de morte, de valores e transgressões, de solidão e convivência, de sociedade e isolamento. De tudo e do olhar que o contempla são feitas estas madrugadas, relativamente breves, de uma simplicidade fluída, mas sobretudo de uma coesão surpreendente.
Provavelmente o aspeto mais marcante deste livro, e também o que lhe confere uma certa indefinição, é que, sem títulos para os poemas, e com uma estrutura que flui praticamente em continuidade, tanto pode ser visto como um conjunto de pequenos poemas como ser entendido como um só, extenso e intrincado. E a verdade é que cada página é um todo completo, um poema total, mas há relações inefáveis entre todos eles e uma sensação de coesão e de pertença que faz com que o todo pareça maior do que a soma das partes.
É, pois, um livro que permite duas leituras, a do longo poema, que quase faz eco de uma extensa madrugada de insónia, e a dos fragmentos de múltiplas madrugadas, que, no seu todo, formam uma vida. Tudo isto com uma simplicidade permanente, em que não só as palavras são concisas, mas também as imagens evocadas parecem, por vezes, fragmentárias, como que saídas de um sonho. Todos os textos - ou partes do texto, dependendo da interpretação - são breves, sem grandes elaborações em termos formais. E, ainda assim, formam-se imagens no pensamento, deixando uma interessante ambiguidade que terá diferentes sentidos consoante as impressões do leitor.
Vive mais de impressões do que de elementos concretos, o que significa que muito é deixado à imaginação de quem lê. Abrange, ainda assim, um amplo espetro de emoções o que significa que, se alguns dos poemas - ou, mais uma vez, partes de - criam uma maior sensação de distância, outros há que reforçam a proximidade. E é curioso notar que, às vezes, as imagens mais marcantes surgem dos fragmentos mais pequenos.
Feito de impressões breves, dá forma a um todo maior. Feito de imagens simples, surpreende com as mais inesperadas impressões. E, com um intrigante equilíbrio entre o todo e as partes, proporciona uma leitura que é simultaneamente leve e vasta, concisa mas abrangente, e sempre muito cativante. Vale bem a pena deambular por estas Madrugadas.

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