Devia ter sido apenas um dia normal, mas acaba de receber a pior notícia de sempre. Resta-lhe muito pouco tempo de vida e, aparentemente, não há nada que o jovem carteiro possa fazer para mudar isso. A não ser que... Quando menos esperava, eis que surge a mais inesperada das visitas. Apresenta-se como o Diabo e tem uma proposta a fazer. Se ele estiver disposto a fazer com que certas coisas desapareçam do mundo, pode receber um dia de vida por cada coisa eliminada. Existem coisas a mais no mundo, diz ele. Mas será mesmo assim? E onde se traça a barreira entre o que é dispensável e o que não é?
Com uma história relativamente breve e onde não é muito difícil prever alguns desenvolvimentos, até porque o título é bastante esclarecedor, é na capacidade de apelar à reflexão que se encontra o grande ponto forte deste livro. Reflexão sobre quê? Bem, sobre tudo, desde a mortalidade e as razões para viver à forma como a memória nos prega partida, sem esquecer o olhar à forma como certos objetos se apoderam de nós e à importância que certas coisas adquirem para certas pessoas, não por aquilo que são, mas pelo que simbolizam. Não falta material para reflexão neste livro e, tendo em conta a simplicidade do texto, torna-se particularmente poderosa a vastidão deste aspeto. Quem diria que bastam algumas frases simples para nos fazer pensar nas facetas mais profundas da vida?
Outro aspeto especialmente cativante é o lado inesperado. Desde o princípio que há elementos caricatos, a começar pela escolha de indumentária do Diabo, mas expandindo-se depois para as peculiaridades de certas personagens. E este lado ligeiramente bizarro destaca-se por duas razões: primeiro, porque confere leveza ao que é, essencialmente, a crónica de uma morte anunciada; e segundo, porque abre portas a sentidos diferentes para o que julgamos conhecer. A explicação para a referida indumentária é, aliás, particularmente marcante e faz especial sentido.
O último ponto a destacar deixa sentimentos ambíguos, mas faz também todo o sentido que assim seja. Ficam inevitavelmente perguntas sem resposta, em parte devido à brevidade, que faz com que o passado seja explorado de forma relativamente concisa, mas também porque o depois fica, em certa medida, à imaginação do leitor. Ora, isto significa que fica uma certa curiosidade insatisfeita, mas faz sentido que assim seja, pois o passado define-se pelas memórias das personagens (e a memória é sempre falível) e o futuro numa história sobre a morte tem sempre de implicar perguntas sem resposta.
Surpreendentemente profundo na sua relativa brevidade, e surpreendentemente leve tendo em conta as circunstâncias do protagonista, trata-se, pois, de uma história cativante, singular e repleta de material para reflexão. Um bom livro para pensar, em suma, e também para emocionar.
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