sábado, 27 de agosto de 2022

Caligrafia (Alexandre Assine)

Paisagens resumidas a meia dúzia de palavras e histórias traçadas com a mesma devastadora concisão. Contemplações que oscilam entre a nostalgia e a afeição e confissões rasgadas de uma assumida e estranha crueldade. Fragmentos que se conjugam em cadernos mais vastos, poemas que se encadeiam sem verdadeiramente se unirem e uma voz que nunca se torna verdadeiramente definível. Mas que fascina, ainda assim.
Não é fácil definir este livro. Se a poesia já tem, por si só, o seu habitual núcleo de singularidades, a deste livro eleva-as à mais alta potência. Não é fácil falar de conteúdo, quando o que fica do conteúdo são imagens projetadas diretamente para o pensamento, que fluem com uma naturalidade quase intangível, que ganham vida durante a leitura, mas que são demasiado breves - apesar de muito memoráveis - para descrever. E quanto à estrutura, é tão diversa que é mesmo essa a única característica que se pode salientar. Não há forma ou regra que não seja explorada e moldada segundo uma imagem distinta.
Ora, ante um livro tão difícil de descrever, o que se pode salientar sobre ele? Bem, talvez os contrastes. Entre esta intangibilidade e a forma como nunca deixa de cativar ao longo da leitura, desde logo. Entre a brevidade extrema e a complexidade das imagens traçadas. Entre fios de proximidade e outros de uma contemplação distante, quase indiferente. E entre formas que fluem sem nunca se cingirem estritamente à sua definição.
É um livro breve e de poemas breves, fugaz ao ponto do indefinível. E, ainda assim, deixa as suas marcas. Importa, por isso, salientar um último ponto, o da singularidade. É certo que assume, por vezes, estruturas familiares, mas faz moldando-as numa forma diferente. E isso é simultaneamente desconcertante e fascinante.
Breve e indescritível, onírico e enigmático, eis, pois, um livro difícil de explicar, mas que, na sua inefabilidade, não deixa de se entranhar no pensamento. E basta este estranho equilíbrio - esta naturalidade indefinível - para fazer com que valha a pena viajar por estes poemas.

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