Diferentes temas e estilos de escrita caracterizam esta antologia em que o único elo comum é o formato dos textos. Contos, longos ou breves, mais ou menos abstractos, com formas de escrita mais simples ou mais poéticas, são o que constitui este livro que abre com um Prefácio, em que o organizador, Miguel Almeida, reflecte sobre o que define o conto e quais são, afinal, os objectivos desta antologia.
São muitos os autores presentes nesta antologia que abre em beleza. Laura Pérola, de Álvaro Gomes, história de uma mulher que visita a sua possível filha adoptiva, apresenta uma narrativa terna e envolvente, escrita de forma quase poética e com um toque de crítica social. Marca principalmente pela beleza da escrita e pela forma como, sem perder de vista o lado pessoal e emotivo, aborda várias questões pertinentes.
Ana Fonseca da Luz participa nesta antologia com dois contos. Só Nós Três é que Sabemos relata o primeiro dia de um casal recém-divorciado, de forma simples, mas cativante e com um final surpreendente. Já em A Minha Tia Graça a história é a de uma criança que admira uma mulher independente. O ritmo é pausado e o conto é bastante descritivo, mas a escrita é envolvente neste interessante conto sobre liberdade e solidão.
Domingo Mergulhado na tua Boca, de Ana Maria Domingues, mistura amor e sensualidade numa história que, apesar de um pouco confusa, surpreende pela escrita poética e pelas imagens peculiares que evoca. Longo, torna-se, contudo, algo disperso, perdendo de vista os acontecimentos concretos.
Seguem-se dois contos de António J. de Oliveira. Resquícios de Humanidade!... trata da passagem do tempo na terra e nos homens. Introspectivo, mas com um toque de crítica à sociedade actual, torna-se um pouco amargo nos pontos de vista do protagonista e da visão que a idade lhe deixou sobre a vida. A Construção do Sentimento, por sua vez, é a história de um nascimento peculiar e da passagem do tempo. Envolvente, apesar de se dispersar um pouco em divagações, marca principalmente pelo final enternecedor.
Conto das Flores, de Carlos Almeida, apresenta a história de um dia em que choveram flores, numa mistura de situações de rotina e pontos de viragem, com algo de reflexão sobre a vida e a passagem do tempo. Cruzando diferentes vidas numa história envolvente, ainda que um pouco divagativa, surpreende também a forma como, no final, todas as partes estão, de alguma forma, relacionadas.
Em Etopeia, Carlos Vilela conta a história de um escravo tornado descobridor. O enredo e a contextualização são interessantes, ainda que a escrita, explorada numa tentativa de se assemelhar em tom à expressão da época em que decorre a narrativa, deixe uma sensação de distância e estranheza.
Segue-se Mundo Subterrâneo, de Catarina Coelho, história de uma fada que cai para um mundo sombrio. Em parte conto de fadas, trata-se, ao mesmo tempo, de uma envolvente história de crescimento e de uma bela e vasta metáfora para o ciclo de dor e recuperação que marca muitas das mudanças na vida.
Também Cecília Vilas Boas participa nesta antologia com dois contos. A Pérola, uma simples mas cativante viagem ao imaginário, marca pela inocência que evoca, mas perde um pouco pelos diálogos algo forçados. E Cartas de Amor, história de um amor de juventude recordado, apresenta também uma história cativante, mas o ritmo apressado dos acontecimentos deixa a sensação de qualquer coisa em falta.
Visão Incerta do Sonho, de Cristina Correia, trata da vida enquanto percurso de mudança, numa história cativante e com alguns momentos comoventes, ainda que um pouco apressada na resolução de algumas situações.
Um dos melhores contos deste livro é A Mulher que Não Queria Parar de Viver, de Daniela Pereira. História de uma mulher que recebe más notícias na sequência de um exame, trata-se de um conto envolvente, comovente no contraste entre a vontade de viver da protagonista e a inevitabilidade dos factos, e construído com uma escrita fluída e cativante. Emotivo e, ao mesmo tempo, curioso com a sua reviravolta inesperada, um conto belo e marcante.
Das inconveniências da vida no paraíso trata As (In)conveniências de Deus, de Emílio Miranda. Um pouco confuso, mas com uma premissa muito interessante, esta é uma caricata e surpreendente história sobre o apocalipse, visto de uma perspectiva diferente. Já em O Espanta-Pardais, de Humberto "Jimmy David" Oliveira, uma mulher regressa à sua terra natal para se encontrar com a matéria dos seus pesadelos, num conto pausado e descritivo, com um tom um pouco distante, mas misterioso, cativante e surpreendente.
Seguem-se quatro contos de João Carlos Silva. O Homem que Tinha Medo dos Sonhos trata de um homem e do seu controlo sobre si mesmo. Pausado, mas envolvente no rumo dos acontecimentos, uma interessante reflexão sobre possíveis excessos de racionalidade. Fumar ou Não Fumar, Eis a Questão: Um Monólogo "Filosófico" tem como bases um cigarro e a necessidade de um pensamento profundo, numa história muito breve, mas cativante pela peculiaridade da situação que apresenta. Interessante ainda a ambiguidade em torno do que é um "pensamento profundo". Inferno, por sua vez, apresenta uma visão de pesadelo e uma cidade infinita, num conto curto, mas detalhado nas descrições e com um bem conseguido crescendo de intensidade. Por último, Branco trata da luta contra o vazio, num conto muito curto, mas intenso, que apresenta uma precisa representação da necessidade humana de encontrar um sentido.
O conto que se segue é de João Pedro Duarte. A Balada Irlandesa trata da vida depois de um divórcio e da necessária mudança de rumo, numa história de emoções, simples, mas envolvente e emotiva e que encerra de forma surpreendente.
Maria Eugénia Ponte participa também com dois contos. Amor sem Tempo, um simples e curto conto sobre as dificuldades da vida de um casal, apresenta uma ideia interessante, mas falta-lhe algum desenvolvimento, já que muito é deixado por explicar e as coisas acontecem demasiado depressa. Eu Não Pedi para Nascer é a história de uma gravidez indesejada vista pelo bebé em formação. Também aqui a ideia é interessante, mas demasiado simples, tendo em conta o tema. Fica a impressão de que demasiado é deixado por aprofundar, quer em pensamentos, quer em acções.
Alteridades Traídas: O Caos da Página em Branco, de Maria Helena Almeida Lopes, fala da falta de palavras e de um encontro com a morte. Um pouco confuso, com um ambiente quase abstracto e uma escrita bastante elaborada, apresenta, ainda assim, uma ideia interessante.
Segue-se Lisistrata de Fazer por Casa, de Miguel Almeida. Ora caricata, ora introspectiva, esta é um a história de incompreensão entre um casal e de uma greve de sexo. Cativante, de leitura agradável, perde por ser um pouco repetitivo.
Nanda Rocha participa nesta antologia com três contos. Parabéns, Cristina trata do crescimento, dos erros e das tribulações da vida, numa história simples, mas cativante e com alguns momentos enternecedores. O Lamento da Formiga, história de uma formiga que não se sente bem na colónia a que pertence, apresenta uma breve reflexão sobre a importância do ambiente circundante para o bem estar de cada um. E Um Encontro Ocasional fala dos enganos das ligações virtuais, num conto curioso, com uma ideia interessante, mas que peca pela brevidade, já que tudo acontece demasiado depressa.
Seguem-se dois contos de Rúben de Brito. O Tesouro do Capitão relata a busca, destinada a fracassar, por um tesouro. Com um bom início e uma ideia cativante, a história torna-se, por vezes, confusa e o tom distante faz com que, apesar dos acontecimentos trágicos, nenhuma personagem desperte empatia. A Bela Adormecida apresenta uma nova versão do conto infantil que dá nome à história. Muito descritiva, mas cativante, aproxima-se, por vezes, demasiado das versões já conhecidas, mas surpreende pelo final.
As participações dos dois últimos autores são também as mais vastas em número de contos. Sérgio Sá Marques apresenta sete pequenos contos. A Porta da Avenida relata, de forma breve, mas agradável, apesar da ambiguidade nas reflexões dos protagonistas, um encontro entre amigos. A Rota dos Ovos fala de uma saída para ir às compras, num curto e cativante episódio sobre o medo de ambientes estranhos. Deixa-os Pousar, apresenta dois irmãos a espantar pardais e a história, breve e envolvente, de uma relação complicada, mas que representa bem os atritos entre irmãos. Fábula da Casa da Selva é uma fábula sobre os meandros da selva política, caricata, mas cativante no sistema que apresenta. Também Luta no Poleiro segue o mesmo rumo, sendo também uma curta e interessante fábula sobre a luta sobre o poder. Mistério, por sua vez, apresenta uma criança e um mendigo como base para uma reflexão sobre as desigualdades e a forma como a inocência contempla os mistérios. Um conto com uma mensagem marcante, apesar de algo divagativo. Por último, Supremo Alívio, apresenta uma divagação em torno de uma falésia e das necessidades fisiológicas de um cão, num relato curioso, mas em que predomina a estranheza.
Seguem-se, por fim, nove curtos contos de Vítor Fernandes: Sacana, breve, simples e envolvente história de um cão observador; Há Bué, algo confusa, mas surpreendente história de uma revolução entre um casal; Manias, caricato, mas cativante e bem construído retrato de um indivíduo peculiar; Pois!, onde outra personalidade peculiar protagoniza uma história envolvente e surpreendente; Partilha, curta e interessante história de uma mulher à procura de um homem e de um acordo invulgar; Rios, ainda outro episódio caricato, mas estranhamente envolvente; O Cão e o Narrador, um pouco apressada, mas interessante nas peculiaridades, a história de um homem que tinha medo de cães; Time Report, relato de duas vidas diferentes, algo confuso, mas interessante pelo contraste que evoca; e Cão-Guia, curta, mas cativante, história de conversas de inspirações e rotinas.
Fica, desta leitura, uma impressão final algo ambígua. Há contos realmente marcantes, enquanto outros deixam a sensação de que mais haveria para explorar sobre os assuntos abordados. O balanço é, ainda assim, positivo, já que são bastantes as histórias envolventes e há algumas que ficam na memória. Foi, por isso, e apesar dos contos que menos cativaram, uma leitura que apreciei.
Grato pela sua crítica. Um abraço.
ResponderEliminar:) Obrigada pela critica sempre sincera e atenciosa. beijinhos*
ResponderEliminarComo coordenador e co-autor de "Contos do Nosso Tempo", agradeço a crítica/opinião de "As Leituras do Corvo". Muito Obrigado e continuação de boas leituras.
ResponderEliminarAgradeço a leitura e opinião.
ResponderEliminarcecilia vilas boas
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarGostei bastante da apresentação da obra. Fiel e isenta, o que define uma boa crítica literária.
ResponderEliminarA mim, fica-me a certeza de que, mais cedo ou mais tarde, irei proceder à leitura da obra.
Parabéns a todos!