Murmúrios sobre a vida alheia e toda uma vastidão de pequenas tragédias pessoais definem a vida naquela aldeia. No lugar onde todos os olhos fitam, com algo de repulsa e de piedade, a passagem de António e Carlos. Os pecados dos dois rapazes são os dos pais, mas isso não os torna menos solitários, pois, na passagem do tempo, só se têm um ao outro. E o tempo passa. E um dia tudo muda e o caminho dos dois jovens, agora quase adultos, separa-se. Mas a vida continua. Esta é a história de António e de Carlos, mas também a de todos os que com eles se cruzam ao longo da vida. Da aldeia que o viu crescer, do lugar onde foram construir as suas vidas... E da forma como o passado prevalece nas marcas que deixa para o futuro.
Ao iniciar esta leitura, chama, desde logo, a atenção o estilo de escrita. Elaborada, rica em imagens inesperadas, mas com uma fluidez envolvente e momentos de verdadeira poesia, a voz que dá forma a esta narrativa é, em todos os aspectos muito própria e é também essa diferença que a torna envolvente. É esta diferença o que primeiro cativa, mesmo enquanto as personagens são pouco familiares, já que o lado introspectivo, a reflexão sobre a vida e o mundo, surge tanto nos passos dados pelas personagens como naquilo que o narrador diz delas.
Os dilemas interiores, os segredos e os julgamentos emitidos pelas pessoas próximas são uma parte essencial no rumo desta história. As experiências da infância de António e Carlos são o que, em grande medida, virá a definir os seus passos futuros, num ciclo oriundo já da geração anterior e que parece conduzir a um fim que nunca poderá ser feliz. Não que a história seja propriamente feita de grandes acontecimentos, de tragédias capazes de marcar a alma das gentes. Não. As perdas, as agressões e todos os gestos que deixam cicatrizes na vida das personagens que povoam esta história são pequenas, pessoais, mas nem por isso menos relevantes para aquele que as vive. A passagem do tempo atenua-as na memória dos outros, mas não na de quem as viveu, e é talvez esta sensação de permanência nas pequenas tragédias da vida das personagens que confere impacto aos momentos mais relevantes, ao mesmo tempo que cria empatia para com as personagens e uma certa medida de tolerância para com as suas acções mais negras.
Há, para este livro, um lado introspectivo que sobressai, por vezes, acima dos acontecimentos, o que, associado a uma certa divagação por entre histórias, ligando António e a sua vida a outras figuras mais secundárias, deixa, por vezes, uma ideia de dispersão. As personagens continuam muito presentes, mas o narrador afasta-se, por vezes, para reflectir sobre os temas que se retiram do percurso da história. A memória e a morte, o desprezo dos outros e a própria sensação de inferioridade... Aos dilemas das personagens junta-se algo de reflexão sobre dúvidas mais globais, sobre as inseguranças que definem a vida enquanto percurso de mudança.
A impressão que fica é a de uma história envolvente, com um estilo de escrita particularmente cativante e uma mistura de narrativa e reflexão em que as personagens representam exemplos de algo maior que uma história individual. Envolvente, bem escrito e com uma história marcante... uma boa surpresa.
Na procura de referências dalgo que tendo muitas potencialidades literárias, no entanto tem pouco a ver com literatura por si só, como é a fenomenologia OVNI, acabo de dar com este verdadeiro achado que é para mim "As Leituras do Corvo". O que sucedeu através dum link, precisamente sob titulo "O Fenómeno OVNI".
ResponderEliminarEm que sendo eu um apaixonado por livros e por leitura, ainda que estando eu há cerca de dois anos numa fase existencial própria em que necessito muito mais, diria mesmo que necessito esmagadoramente mais exteriorizar, inclusive escrever, que interiorizar, no fundo numa necessidade de equilíbrio após anos essencialmente a interiorizar, inclusive ler.
Apesar de e/ou até pelo que tão só ler acerca de livros como aqui se pode fazer já é prazer em e por si só. Em especial quando aqui se escreve muito bem acerca de livros.
Pelo que com sua licença, cara Carla Ribeiro, vou passar a seguir este Blog.
Parabéns e obrigado!
Nota: comento neste post porque após ler alguns outros, sem prejuízo destes últimos e/ou doutros que se sigam, por mim e para já, identifiquei-me dalguma particular forma com este e só por isso comento aqui e não noutro, inclusive mais recente...