sexta-feira, 28 de setembro de 2012

O Rio da Amargura (Eurico Figueiredo)

No momento em que inicia uma nova fase da sua vida, Mercedes sente a necessidade de escrever um diário. Prestes a embarcar na aventura de gerir a sua própria quinta no Douro, ela sabe que tem muito para aprender. O diário serve-lhe de registo às suas experiências, não só no crescimento a nível profissional, mas também na sua vida pessoal e numa investigação em que decide embarcar. O resultado é uma visão pessoal de muitas histórias que não a sua, e também o retrato de uma mulher com uma visão muito clara da evolução do Douro através do tempo.
Várias histórias se cruzam ao longo deste romance, o que, desde logo, surpreende, tendo em conta a brevidade da narrativa. Mais que a história de Mercedes, O Rio da Amargura serve como base para uma análise da situação do Douro em termos políticos e económicos, bem como para o desenrolar de múltiplas pequenas histórias relativas aos que rodeiam a protagonista. E nestas histórias há de tudo um pouco, desde o estranho julgamento do caso Carta e a história do papel que este homem terá desempenhado, aos pequenos mistérios da vida pessoal do marido de Mercedes, com as características da sua doença a terem um papel fundamental nas motivações para a investigação sobre Carta. Há, até, um toque de sobrenatural na influência exercida pela bruxa de Vermiosa, primeiro na vida de Rui, depois, em menor grau, na de Mercedes. Muitos elementos cruzados, portanto, e todos narrados na primeira pessoa por uma protagonista forte, determinada e com uma curiosidade insaciável.
É neste aspecto que se revelam tanto as forças como as fragilidades do livro. As forças sendo, evidentemente, a diversidade de situações e as várias questões interessantes que são levantadas ao longo do livro, quer a nível de contexto, quer das histórias pessoais dos que rodeiam Mercedes. As fragilidades são duas. Primeiro, a relativa brevidade do livro faz com que, de muitas histórias entrecruzadas, muitas perguntas fiquem também sem respostas, deixando a sensação de que bastante mais haveria para dizer. A outra é a relativa distância que se sente para com Mercedes já que, ainda que o texto corresponda ao seu diário, acaba por ser dela que menos se sabe, pois as emoções passam para segundo plano relativamente à narração de factos e histórias sobre as restantes personagens.
Fica, portanto, a sensação de que a história deste livro teria potencial para ser algo de muito mais vasto. Ainda assim, a envolvência de uma escrita cativante e vários momentos bem conseguidos ao longo de uma narrativa que é, na generalidade, bastante interessante, compensam a falta daquilo que poderia ter sido mais desenvolvido, daqui resultando uma leitura agradável, cativante e com alguns momentos particularmente bons. Gostei, portanto.

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