quarta-feira, 12 de novembro de 2014

O Exército Furioso (Fred Vargas)

Ao receber a visita de uma mulher amedrontada e hesitante, o comissário Adamsberg está longe de imaginar que será atraído para o cenário de uma antiga lenda. Mas diz a sua enigmática visitante que pessoas vão morrer em Ordebec e que, por isso, também a vida dos seus filhos ficará em perigo. É que por lá passa o Exército Furioso, uma horda de mortos sob as ordens do suserano Hellequin. E diz-se que os vivos apanhados na marcha desse estranho exército têm crimes a expiar - e que, por isso, estão destinados a morrer.Ora, apesar dos seus estranhos métodos, Adamsberg está longe de acreditar nesta lenda. Ainda assim, algo o atrai a Ordebec. E quando um outro caso o leva a agir à margem da sua autoridade, enfrentar o Exército Furioso e descobrir a verdade pode ser também a melhor forma de lidar com a sua situação.
Um dos aspectos mais interessantes neste livro é que, apesar de tudo o que há de improvável nas personagens e do enredo, o registo da narrativa consegue manter uma linha sóbria e até algo nostálgica, surpreendendo na forma como esta se adequa ao carácter do seu protagonista. Aliás, basta o episódio inicial, com o que tem de surreal a contrastar com a naturalidade com que é narrado, para realçar este curioso contraste entre a peculiaridade dos casos, a quase leveza dos momentos mais estranhos e uma quase melancolia associada aos pensamentos de Adamsberg.
Outro grande ponto forte está no desenvolvimento das personagens e, neste aspecto, importa realçar que, apesar de ser Adamsberg o protagonista, está longe de ser o único elemento fundamental. Em primeiro lugar, a sua muito disfuncional equipa surpreende - e surpreende tanto o leitor como alguns intervenientes externos do enredo - pela capacidade de obtenção de resultados. Além disso, do conhecimento enciclopédico de Danglard à imensa capacidade de acção de Retancourt, só para destacar alguns, há todo um espectro de personagens peculiares, mas muitíssimo cativantes, a dar vida a um mistério que é, por si só, cheio de surpresas.
E passando aos casos propriamente ditos, escusado será dizer que é a situação do Exército Furioso o elemento dominante e, neste aspecto, sobressai, por um lado, o muito bom desenvolvimento do elemento sobrenatural, com a forma como a lenda condiciona as vidas de todos, acreditando ou não no que é narrado, a levantar muitas e boas questões, e, por outro, a forma como as pistas - ou falta de - abrem caminho a uma conclusão surpreendente. Mas há ainda um segundo caso, mais discreto, mas também muito interessante. A delicada situação de Mo, com a sua posição de fragilidade antes os interesses dos poderosos, torna especialmente cativante o envolvimento pessoal de Adamsberg, ao mesmo tempo que coloca em evidência a sempre pertinente questão da acção da justiça para com fracos e fortes.
Peculiar nas personagens e no enredo a que estas dão forma, este é, pois, um livro que surpreende em muitos aspectos. Cativante no seu registo muito próprio, quase confere leveza a questões complicadas. Surpreendente nos grandes momentos, mas também nas pequenas coisas, chama a atenção desde cedo e nunca deixa de cativar. E, assim sendo, o que fica é a mais positiva das impressões, bem como a vontade de conhecer mais sobre estas personagens. Muito bom.

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