Num fenómeno que ninguém parece conseguir explicar, Daniel Benchimol sonha com pessoas que não conhece, mas que existem ou existiram. Um seu conhecido, Hossi, habitou em tempos os sonhos de todos os que o rodeavam, tendo chegado por isso a ser objecto de uma estranha experiência. Por outro lado, uma máquina fotográfica encontrada na água leva Daniel a Moira, uma artista que encena os seus sonhos. E esta, por sua vez, leva-o a um neurocirurgião que está a desenvolver uma máquina capaz de os filmar. Os sonhos levam-nos a recordar o passado, a questionar o que se passa nos meandros da mente. Mas, se a proximidade dos sonhos chega para criar relações, há algo - outro tipo de sonho - que é capaz de unir todo um povo. E tudo começa com a filha de Daniel e as suas aspirações à liberdade...
Surpreendente seria uma boa palavra para começar a definir este livro, que parte do que parece ser uma paisagem onírica, ainda que com estranhos reflexos no mundo real, para depois se debruçar sobre as grandes questões da realidade em que as personagens se movem. Os sonhos não as levam apenas ao impossível e ao inesperado - levam-nas a lembrar as guerras passadas e as restrições do presente. E quando a história se expande para a história dos jovens revolucionários, então torna-se impossível não ver as semelhanças entre esta narrativa e a história de uma realidade muito próxima.
Ora, isto cria um contraste muito interessante, pois, ao mesmo tempo que a peculiaridade da relação das personagens com o mundo dos seus sonhos confere à narrativa uma muito agradável leveza, a dureza da realidade projecta as verdadeiras dificuldades de um percurso que, neste caso é fictício, mas que se aproxima em muito de um caso bem real. Surge assim como que a impressão de um equilíbrio delicado, numa história em que o improvável e o bem possível andam claramente de mãos dadas.
Claro que, conhecendo a realidade dos factos, é difícil imaginar a forma como este livro termina a acontecer verdadeiramente. Ainda assim, não deixa de ser uma conclusão adequada para uma história que, oscilando entre o normal e o inexplicável, parece ser toda ela um hino ao valor do sonho e do esforço por o tornar real. Um hino escrito com uma mestria tal que, mesmo quando não é fácil compreender algum gesto ou simpatizar com determinada personagem, há sempre algo que prende nesta história onde tudo (ou quase tudo) parece possível.
Surpreendente, portanto. Assim se poderia definir este livro que é, acima de tudo, um sonho em que a realidade está bem presente. Bem escrito, com uma história cativante e alguns mistérios que, mesmo deixados por explicar, não deixam, ainda assim, de exercer um estranho fascínio, vale bem a pena conhecer esta Sociedade dos Sonhadores Involuntários.
Título: A Sociedade dos Sonhadores Involuntários
Autor: José Eduardo Agualusa
Origem: Recebido para crítica
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