sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

Sob a Forma do Silêncio (Emanuel Madalena)

Sob a forma do silêncio - é este o mote para este conjunto de poemas. E há uma figura escondida sob a forma deste silêncio, múltiplas vezes citada e presença discreta ao longo de todo o texto. Wittgenstein está lá, em toda a parte, e no entanto poderia não estar. Pois, clara inspiração de todo o conjunto, é, ainda assim, o eco de uma imagem que soará familiar a muitos outros silêncios.
Parte do que torna um livro de poesia memorável é, muitas vezes, o equilíbrio entre a completude de cada poema e a sensação de unidade que faz do conjunto um todo mais vasto do que a soma das partes. Este livro eleva esse equilíbrio a um outro nível, pois, embora maioritariamente completos em si mesmo (salvo algumas excepções), é clara a pertença ao todo de cada um dos elementos, chegando mesmo a haver uma secção final de notas - que são também poemas, diga-se - a acrescentar novos elementos ao que veio de trás.
Outro aspecto a sobressair é o próprio estilo poético, feito de uma estrutura bastante livre, sem grandes imposições em termos de rima ou de métrica, mas que assume um registo bastante complexo. Isto é particularmente evidente nos poemas mais extensos, evocativos de uma imagem mais elaborada, mas ainda assim de surpreendente nitidez, e que contrastam com o surpreendente impacto daqueles que, em dois ou três versos, projectam também uma imagem igualmente complexa.
Mas voltando a Wittgenstein. Pode-se ou não conhecer o filósofo, que uma coisa é certa: terminada a leitura, fica a vontade de descobrir (ou redescobrir) a sua vida e as suas ideias. E, além do mais, fica outro aspecto intrigante, que a sensação de, independentemente do conhecimento prévio, se ter percorrido as páginas de um elogio feito tanto à imagem do autor como da figura que o inspirou. Pode não se conhecer Wittgestein, mas, no fim, fica a sensação de ter andado por perto. E essa é uma sensação estranhamente fascinante.
Construído como um todo coeso, mas feito, ainda assim, da soma de múltiplas unidades completas, trata-se, pois, de um livro de poesia que deixa uma marca maior se lido consecutivamente. E que, entre a complexidade do estilo e a admiração que parece mover todas as palavras, acaba por se tornar estranhamente memorável também pela forma dos silêncios que evoca.

Autor: Emanuel Madalena
Origem: Recebido para crítica

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