domingo, 1 de dezembro de 2019

O Ano do Pensamento Mágico (Joan Didion)

A vida desaba de um momento para o outro. Num instante, julgamos que temos tudo e eis que, de repente, tudo mudou. É esta a história de Joan Didion, que, no espaço de poucas semanas, se deparou com a hospitalização da filha e a morte súbita do marido, vítima de um ataque cardíaco. Começa então o seu ano do pensamento mágico, como se refere a um período em que a vida continua, mas a sombra continua omnipresente, embora não reconhecida. Em que a morte está em todo o lado, mas há um raciocínio latente que lhe diz que o marido vai voltar.
Sendo, acima de tudo, a história de uma experiência pessoal, um dos primeiros aspectos a surpreender é a forma como a autora cruza essa sua experiência com todo um amplo conjunto de referências a estudos e obras sobre a questão do luto. Por entre o registo sempre emotivo daquilo por que está a passar, em termos de tribulações na vida, mas também no seu interior, a autora vai desfiando citações que, embora confiram ao texto um ritmo mais pausado, lhe conferem também uma maior pertinência. Afinal, já todos nos questionámos sobre a morte, não é? E encontrar essas questões reflectidas, e acompanhadas de algumas respostas sobre a normalidade do processo de luto, é estranhamente reconfortante.
Embora relativamente breve, é também um livro surpreendentemente profundo, não só pelas circunstâncias dramáticas narradas acerca desta fase da vida da autora, mas principalmente pela forma como as reflexões que estas inspiram acabam por fazer ecoar dentro de nós. Não estamos lá, não passámos por tudo aquilo - mas é fácil ver a história como externa e, ao mesmo tempo, ver pontos em comum. E, sendo certo que é sempre mais fácil analisar quando se está de fora, há, ainda assim, um certo reconhecimento na imagem global de que a vida é fugaz. Tudo passa. Tudo muda. E mais depressa do que pensamos.
Mas nem só de morte e luto vive este livro. Vive também da história de uma relação duradoura, cujos momentos marcantes são aqui narrados sem uma visão cor-de-rosa, mas realçando acima de tudo a união. Vive das experiências profissionais que também vão surgindo e que, além de mostrarem um pouco mais da vida da autora, conseguem também despertar a curiosidade para os muitos livros referidos e citados. E, no fim, o que fica é acima de tudo a vontade de saber mais, de conhecer mais a fundo a obra da autora e do marido. E uma certa sensação intangível, como que de uma lição aprendida sem querer.
Relativamente breve, portanto, e surpreendentemente profundo. Assim se poderá definir este O Ano do Pensamento Mágico. Um desfiar de memórias e de reflexões que, embora aplicadas à vida de quem as narra, têm muito para nos fazer reflectir a todos.

Autora: Joan Didion
Origem: Recebido para crítica

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