terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

Os Outros (C. J. Tudor)

Gabe sabia que o seu casamento estava a passar por dificuldades, mas não esperava ver a sua vida desabar em tão pouco tempo. Preso no trânsito a caminho de casa, vê a filha no banco de trás de um carro desconhecido. Pouco depois, surge a notícia de que perdeu tudo. A mulher está morta e todos dizem que a filha também. Mas ele não acredita. Ele viu-a naquele carro. E podem ter passados três anos, mas continua a procurar. E é depois de todo esse tempo que a primeira pista surge finalmente. Com a ajuda de um aliado invulgar, Gabe encontra o carro - com um cadáver lá dentro. E encontra também a primeira pista para algo de enigmático e tenebroso... na forma de duas palavras: Os Outros.
Ao terceiro livro de uma autora tão consistentemente brilhante - e diga-se logo à partida que a qualidade não pára de melhorar - há certas coisas que são, à partida expectáveis. O ritmo viciante, o aura de mistério, o elemento inexplicável que parece, porém, encaixar na perfeição em tudo o resto e, sobretudo, o delicado e poderosíssimo equilíbrio entre as trevas do mistério e as trevas da desolação interior das personagens. Este livro não é excepção, sendo que o que mais se destaca é a forma como - mais uma vez - a autora consegue elevar tudo isto a um nível ainda mais alto. O impacto emocional é ainda mais intenso. A sucessão de surpresas é ainda mais imprevisível. E há um sentido tão grande na forma como as múltiplas peças do puzzle se encaixam que são inúmeras as palavras para descrever a impressão que fica - sendo, ainda assim, possível resumi-las num grande e estrondoso UAU.
Há, ainda assim, aspectos que são muito próprios desta história específica. Basta, aliás, o conceito dos Outros, uma organização de pedidos e favores que é tudo menos caritativa. E o mais impressionante nesta premissa é que, além de lidar com mestria com as complexidades da perda de um ente querido e de todos os sentimentos contraditórios que essa perda pode despertar, principalmente quando envolve violência, traça também para as suas personagens uma ambiguidade moral que as humaniza. É que Gabe pode ser a vítima, mas tem um passado a expiar. Já o Samaritano é o exemplo perfeito da expressão que diz que olho por olho, dente por dente é uma forma de o mundo acabar cego. E há mais. Cada personagem desperta sentimentos diferentes, que se vão alterando com o desfiar das revelações, criando uma proximidade profunda que faz com que o impacto do final seja ainda mais poderoso.
E, claro, há a escrita. C. J. Tudor tem uma voz notável, tão capaz de empolgar pelo ritmo directo dos momentos de perigo ou dos diálogos mais tensos como de nos conduzir ao âmago mais desolado das suas personagens. E, pelo caminho, são tantas as frases memoráveis, tantos os rasgos de génio a dar à história a voz de que mais precisa, que é quase irresistível a vontade de continuar a ler... e o desejo de que a história nunca acabe.
Só uma coisa é expectável neste livro: que será brilhante. E é-o, de facto, em todos os aspectos. Intenso, profundo, com um intrigante mistério a contrastar com as histórias de perda e de morte que são também a sua força motriz, cativa da primeira à última página e entranha-se bem fundo na memória e no coração. Maravilhoso.

Título: Os Outros
Autora: C. J. Tudor
Origem: Recebido para crítica

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