domingo, 22 de março de 2020

Caravaggio - O Indulto (Milo Manara)

Ferido na sequência de uma rixa que fez pender sobre ele uma sentença de morte, Michelangelo Merisi foge à pressa de Roma e refugia-se em Nápoles. Aí, com a ajuda dos seus poucos, mas poderosos aliados, dedica-se a pintar furiosamente, na esperança de que os seus quadros lhe possam valer o indulto papel. Mas o seu temperamento intempestivo não se desvaneceu com a fuga e, na sua busca incessante por um caminho para o indulto, faz novos e poderosos inimigos ao mesmo tempo que cria as suas maiores obras...
Muito à semelhança do primeiro volume, há dois aspectos fundamentais a sobressair deste livro. Um é a forma como a arte parece enquadrar com naturalidade os quadros de Caravaggio, ao ponto de parecer que tudo pertence ao mesmo mundo, tal é a harmonia e o contraste entre a forma como o autor representa os modelos e as figuras originais da obra acabada. Outro é a construção do protagonista, brilhante e intempestivo, irascível e vulnerável, obcecado pela sua arte e pela graça que em vão se esforça por alcançar.
E é aqui que surge algo de novo: a forma como a obsessão de Merisi pelo indulto é reflectida. Há a determinação subjacente às muitas deambulações em busca de uma hipótese, com a abertura que isso implica a vastíssimos cenários. Há os meandros sombrios que pairam na mente do protagonista, com a sombra do carrasco a ditar-lhe os movimentos. E há o fundo contraste entre o amor transbordante com que é recebido às claras e as sombras das intrigas que se vão tecendo nas trevas. Tudo isto gera contrastes poderosos, não só na evolução da história, mas também na cor, que parece reflectir na perfeição este equilíbrio de forças.
E, claro, há ainda um outro equilíbrio, entre a brevidade do livro e a vastidão da história do seu protagonista. É uma leitura rápida, mas, entre a vastidão da arte e a precisão dos momentos escolhidos, todo o percurso essencial está lá. Além disso, ainda que as figuras secundárias surjam como histórias de passagem, criam elos marcantes e de forte peso emocional. Assim, a brevidade serve o seu propósito: realçar o essencial e reforçar o impacto dos grandes momentos.
Belíssimo na arte, fascinante na história e eficaz na construção do seu protagonista, trata-se, pois, de um segundo volume perfeitamente à altura das grandes expectativas geradas pelo primeiro. E de uma leitura memorável, claro está.

Autor: Milo Manara
Origem: Recebido para crítica

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