domingo, 21 de novembro de 2021

A Biblioteca da Meia-Noite (Matt Haig)

Nora Seed tem muitos arrependimentos. Ao longo da vida, sente que as suas escolhas nunca foram as melhores e, ao olhar para o que tem agora, sente que ficou aquém em tudo e que falhou a todos os que a rodeavam. Já não vê razões para continuar, e é por isso que decide pôr termo à vida. Mas, em vez do nada ou do além, depara-se com o mais inesperado dos lugares: uma biblioteca. Uma biblioteca entre a vida e a morte, onde o tempo parou na meia-noite e onde cada livro é uma vida alternativa: a vida correspondente a cada arrependimento e ao que teria acontecido perante uma decisão diferente. Nora vê-se, pois ante a possibilidade de viver todas as vidas que não viveu e de escolher, talvez, uma que lhe sirva melhor. Mas será realmente assim tão simples? E estará a vida perfeita a apenas uma decisão diferente de distância?
Parte do encanto dos livros deste autor, e diga-se desde já que este não é exceção, é a forma como transmite uma mensagem positiva sem criar, de modo algum, uma visão demasiado cor-de-rosa. Muito pelo contrário, aliás. Conhece como ninguém as profundezas insuspeitas daquele fundo mais fundo quando julgámos que já batemos no fundo e, por isso, cada uma das suas histórias é uma viagem diferente através do que nos abala e também uma lembrança das razões por que a vida continua... mesmo a partir do fundo. Neste caso, a protagonista está perfeitamente embrenhada nesse abismo e é a partir dessa raiz sombria que a história se vai desenvolvendo. E a viagem de descoberta de Nora - dos sonhos, da imprevisibilidade das coisas, da importância das pequenas coisas, do amor, da vida, enfim - leva-nos a refletir sobre como essas realidades se repercutem em nós.
Outra das grandes forças deste autor é a capacidade de abordar temas sérios com leveza, sem lhes retirar a sua devida importância, mas transpondo-os para situações mais simples, com rasgos de ternura, de emoção e de humor. O caminho de Nora está cheio de momentos intensos e dramáticos, mas também o está de pequenos gestos comoventes e de rasgos inesperadamente divertidos, o que faz com que a leitura seja sempre surpreendentemente leve... mesmo nos momentos inevitavelmente mais sombrios.
E, claro, importa olhar ainda para um outro aspeto da construção desta história: a biblioteca. É ela, afinal, que está no cerne de todo este percurso. É uma ideia singular, e assenta numa teoria fascinante. Mas é sobretudo uma visão especial sobre o nosso lugar do mundo e a vida que nos coube em sorte. Se víssemos a nossa história como um livro, como o classificaríamos? E que opinião teríamos dele, já agora? A ideia de uma biblioteca de (infinitas) possibilidades é particularmente cativante para quem entende os livros como histórias vivas. Porque também nós temos uma história, não é?
Leve, emotiva e cheia de beleza, há algo de único e de irrepetível nesta história sobre vida e morte. Algo que nos fala a todos sobre as nossas imperfeições e arrependimentos e nos leva a viajar com a protagonista e a ver nela um pouco de nós. É uma história memorável, como a biblioteca que lhe serve de base. E carregadinha de emoção, da primeira à última página.

Sem comentários:

Enviar um comentário