sábado, 1 de janeiro de 2022

Family Tree (Jeff Lemire, Phil Hester, Eric Gapstur e Ryan Cody)

Há sempre profecias sobre o fim do mundo, imagens mentais formadas sobre como tudo irá terminar. Mas os fins nunca surgem como esperamos. Às vezes, nem são realmente fins, mas transformações. E é com uma transformação que esta história começa, no momento em que a pequena Megan começa a transformar-se em árvore. Parece um fenómeno estranho - mas apenas isso, apesar de tudo - e o primeiro impulso da mãe de Meg é levá-la a um médico. Mas não tarda a que isso se revele impossível e a procura de ajuda transforma-se numa fuga, numa corrida contra o tempo e contra o inevitável.
É quase impossível, ao começar a ler esta história, que a impressão inicial não seja de estranheza. Humanos a transformar-se em árvores? É, no mínimo, peculiar. Mas parte da força deste livro é a forma como esta estranheza inicial rapidamente se transforma em naturalidade, não só porque o choque das próprias personagens dá lugar a necessidades mais prementes, mas também porque a forma como o enredo evolui faz com que esta singularidade comece a fazer sentido. Além disso, este tão invulgar fim do mundo torna-se particularmente marcante tendo em conta o conflito humanidade versus natureza, que, de forma menos inusitada, mas igualmente dramática, existe também no mundo real.
Outro ponto marcante nesta história é o impacto emocional, sobretudo no que à intensidade dos laços diz respeito. Mais do que uma história apocalíptica, esta é também a história de uma família, com sombras no passado, com tensões, com dúvidas, e acima de tudo, com um afeto profundo, mesmo perante o impossível. São as relações familiares que mais se gravam na memória, e a forma como alimentam a proximidade mesmo quando tudo parece ter desaparecido. Tudo converge, aliás, para um impacto particularmente poderoso quando estes laços são postos em causa.
E, claro, por entre a visão global, há todo um conjunto de pormenores a dar forma a este todo marcante. Visualmente, a expressividade dos rostos, principalmente no reflexo da passagem do tempo, mas também no contraste entre a paz da árvore e a tensão do mundo. No texto, a introspeção dos monólogos, em contraste com a capacidade de dizer tudo em poucas palavras nalguns dos diálogos mais poderosos. E no enredo, o equilíbrio entre ação, emoção e um pequeno toque de humor que acrescenta leveza por entre a intensidade dos sentimentos.
Começa por parecer improvável, mas rapidamente se assume como a história poderosa que é. Uma história intensa, emotiva, cheia de surpresas e de expressividade, de ação e de material para reflexão. Memorável em todos os aspetos, prende da primeira à última página. E não se esquece facilmente.

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