terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Até te Encontrar (Kate Eberlen)

Letty e Alf são os únicos alunos a falar inglês na sua turma de italiano em Roma, e talvez por isso haja uma certa empatia imediata entre ambos. Ainda assim, e apesar da curiosidade mútua, o que começa por prevalecer é a distância. Alf tem namorada, e há na base dessa relação raízes profundas resultantes do que teve de deixar para trás. Letty, por outro lado, sofreu múltiplas desilusões, o que a leva a ter grandes dificuldades em confiar nas pessoas. Ainda assim, têm algo em comum: uma paixão partilhada pela dança. E é após a primeira dança que a curiosidade começa a dar lugar a sentimentos mais fortes, a uma partilha mais profunda, mas que pode ser posta em causa quando as verdades de ambos vierem à superfície. Pois o amor pode ser belo, mas as dificuldades não deixam de existir. E a realidade continua à espera do outro lado...
Parte do que torna esta história tão cativante está no delicado equilíbrio que permite uma leitura leve e divertida, mas abordando temas profundos e experiências traumáticas. Tem como que uma aura de comédia romântica, com os encontros casuais, a descoberta da cidade e as tribulações que levam à descoberta do amor. Mas tem também toda uma sucessão de temas sérios a dar profundidade à leveza, abrangendo questões tão distintas como o consentimento, as relações de poder, a depressão pós-parto e a exposição na internet, só para citar alguns.
Este contraste entre leveza e complexidade tem um efeito particularmente cativante: o de gerar uma forte empatia pelos protagonistas, levando, ao mesmo tempo, a uma reflexão mais profunda. E isto é especialmente notável tendo em conta que toda esta história está repleta de personagens imperfeitas. Ninguém é absolutamente bom nem absolutamente mau (ainda que haja um ou outro caso que não fica assim tão longe). As vidas de Letty e Alf, e também, em certa medida, as dos seus familiares, definem-se por escolhas certas e erradas, conflitos e reconciliações, palavras que magoam e que curam. Como no mundo real, não é verdade?
Há ainda um último ponto a destacar. Sendo que tanto as personagens como os seus passos fogem premeditadamente da perfeição, é apenas expectável que a história não culmine num final absoluto e em que tudo fica perfeitamente resolvido. Faz sentido que assim seja. E, sendo certo que, no caso de algumas personagens secundárias, fica uma ligeiríssima insatisfação por não haver consequências mais drásticas, também isto torna a história mais realista. Na vida real, a justiça nem sempre é absoluta. E entre o que fica por resolver e as possibilidades prometidas pela forma como tudo termina, a sensação que fica é também a de um equilíbrio adequado.
Carregado de emoções fortes, mas com o toque perfeito de leveza e de humor, trata-se, em suma, de um livro de contrastes e equilíbrios, envolvente, surpreendente e cheio de momentos marcantes. Uma história de amor, naturalmente. Perfeitamente imperfeito, como no mundo real.

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