Com medo de humanos e, por isso, forçado pela sua própria natureza a construir uma máscara protectora que o afastasse dos olhos do mundo, Yozo vive entre o fingimento, o fracasso e a resignação. Desenvolve vícios, toca de perto o vulto da morte e, ainda que não exactamente por mérito próprio, sobrevive à sombra opressiva de cada dia. Distante da imagem que transmite ao mundo, algures entre o silêncio e a loucura, Yozo apresenta, nas suas memórias, o retrato de alguém que, indigno do seu estatuto de humano, não consegue, afinal, deixar de o ser.
Há toda uma reflexão sobre a natureza humana neste livro que, apesar da sua brevidade, é surpreendentemente complexo. E não propriamente a nível de escrita, já que, apesar dos seus momentos mais poéticos, esta é relativamente directa, composta ao ritmo dos pensamentos (e das memórias do narrador) no que resulta ser uma visão pessoal (ainda que algo distante) do mundo em volta e da sua própria natureza. A complexidade está nas próprias oscilações de personalidade de Yozo, na quase opressiva necessidade de questionar de alguns momentos em comparação com a pálida resignação de deixar correr a vida que, noutras situações, se manifesta. Há algo de loucura no protagonista desta história, mas uma loucura que, muitas vezes, se aproxima de sentimentos e reflexões familiares a qualquer um de nós.
É também um caminho de crescimento aquele percorrido por Yozo, mas um crescimento diferente, onde os anos passam e novas experiências surgem, mas todas as mudanças - de atitude, de cenário, de forma de vida - são, ainda e sempre, motivadas pelo mesmo medo, pela incapacidade de reconhecer ou interagir com a humanidade sem outros estímulos para lá da simples ideia de pertencer. Yozo não pertence - ou não sente que pertença - à restante humanidade. E, por isso, mesmo quando se vê ligado a outros humanos, há sempre uma distância e uma apatia entre ele e o resto do mundo.
Eis, pois, um livro para reflectir. Duro retrato das contradições humanas, da tristeza de uma solidão que não se afasta ante o contacto com o mundo, há neste Não Humano uma visão algo extrema dos mais sombrios estados de alma. Mas não é também nesse amplo espectro de sombras e perturbações que reside parte do que nos faz humanos?
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