Treinado para ser o braço da ira de Deus, Thomas Cale espalhou morte e destruição por todos os lugares por onde passou. Agora, contudo, a sua alma tem de pagar o preço. Doente, enfraquecido, Cale vê os seus dias de glória reduzidos a uma recuperação lenta, que parece nunca vir a ter fim. Mas, mesmo assim, a vida continua e o plano dos Redentores para limpar o mundo do maior erro de Deus - a humanidade - fazem com que novas batalhas sejam necessárias. E, para que haja a menor hipótese de vencer, é precisa, se já não a força, a mente brilhante do Braço Esquerdo de Deus. Mesmo que Cale não seja nem amado, nem admirado, os actos e a lenda tornaram-no temível. E, apesar das intrigas e dos planos cruzados, a sua presença continua a ser necessária.
Mais longo e mais intenso que os anteriores volumes da trilogia, este é o livro em que todas as revelações se concentram. E também aquele em que as melhores características das personagens - e, em particular, do protagonista - acabam por tomar forma. A evolução de Cale é, aliás, parte do que torna esta conclusão especialmente memorável, com a passagem de um historial de força e violência a uma situação fragilizada, mas em que outras características o tornam indispensável.
Cale sempre foi uma personagem moralmente ambígua, capaz da máxima crueldade, mas, pontualmente, movido pela emoção a gestos de generosidade e quase sacrifício. Essa sua ambiguidade permanece, mas com a alteração das suas circunstâncias e a aproximação de um fim inevitável, os contrastes tornam-se mais evidentes, esbatendo-se a distância para surgir, com maior intensidade, mas, sem anular a sua faceta, a faceta humana da alegada encarnação da ira divina.
Também nas outras personagens, tanto do lado dos aliados como dos inimigos de Cale, há desenvolvimentos interessantes. Claro que os que sobressaem são, em grande parte, os já conhecidos amigos - se de amigos se pode falar relativamente a Cale. Kleist e Henri Vago complementam a faceta mais impetuosa de Cale, equilibrando as suas acções, ao mesmo tempo que se posicionam para os seus próprios momentos de destaque. Por outro lado, os inimigos conquistados no passado assumem um papel mais relevante com o agravar do conflito, levantando obstáculos, ou removendo-os, e assim acrescentando novas surpresas ao decorrer da história.
E, quanto à história, sobressai um ritmo que, inicialmente pausado, cresce em intensidade com o avolumar dos conflitos, mas também um equilíbrio em que experiências individuais contrastam com uma intriga mais vasta e com o impacto global das grandes batalhas. No fim, é, talvez, o lado pessoal que mais cativa em termos de empatia. Mas os planos para as batalhas e a teia de interesses a colisão acrescentam complexidade ao cenário, reforçando o impacto de um final que, sem dar todas as respostas, fica na memória pelo que tem de inesperado... e de estranhamente adequado.
A soma de tudo isto é uma leitura envolvente, ainda que não compulsiva, com personagens fortes e surpreendentes e um enredo em que intriga, conflito e emoção se conjugam nas medidas certas. Recomendo.
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