A vida de Harold Fry é feita de rotinas, num lugar sem nada para fazer, numa casa onde o silêncio impera, numa relação que parece feita de vazios e de irritações. Mas tudo muda no momento em que a carta de Queenie Hennessy lhe chega às mãos. No passado de Harold, Queenie teve um papel importante e o tempo deixou um assunto por resolver entre ambos. Agora, Queenie está a morrer e Harold sente que o mínimo que pode fazer é responder à carta. Mas, enquanto caminha para os correios, apercebe-se de que a carta não chega. E, quase sem saber porquê, e muito menos como, dá por si a dar início à longa caminhada até onde Queenie se encontra. Uma peregrinação diferente, para salvar a vida da amiga... ou para mudar a sua.
História de uma longa caminhada e, ao mesmo tempo, da jornada de toda uma vida, este é um livro que se define, em grande parte, pelo registo introspectivo. O cerne da história reside, afinal, no que Harold é na vida - ou no que fez da sua vida - e na forma como, através da sua caminhada em direcção a Queenie, recupera memórias perdidas e volta a olhar, com mais clareza, para quem e para o que fez. Assim, há muito nesta narrativa que é feito de reflexão, o que resulta num ritmo pausado, ainda que de uma fluidez sempre cativante.
Mas há também muito de relevante a retirar desta reflexão, bem como da jornada propriamente dita. A forma como Harold olha para o passado, com todos os fracassos e escolhas que já não podem ser mudadas, leva-o a considerar o que realmente importa na vida, quer na relação com os outros, quer na sua noção de quem é. A sucessão das suas memórias, e da ténue linha entre o que realmente aconteceu e a forma como ele e Maureen interpretaram as coisas, leva-o a questionar os altos e baixos e os comportamentos que definiram a sua relação. E as mudanças de percurso, as certezas e o desânimo, a fama e o regresso à solidão, reflectem uma forma de passar pelo mundo, a brevidade do sucesso e as diferenças de interesses e pontos de vista que povoam a humanidade.
Apesar de haver, neste livro, várias questões que se poderiam considerar universais, o registo é, apesar disso, bastante pessoal. Apesar dos elementos secundários, grande parte da história é feita dos pensamentos e decisões de Harold e Maureen. Assim, são as suas vidas o que realmente sobressai, quer nas pequenas alegrias, quer na vaga melancolia que se sente ao longo de todo o livro. E isto torna-os mais próximos, claro, ainda que acabe por deixar em aberto algumas questões, principalmente no que diz respeito às muitas pessoas que se cruzam no caminho do protagonista.
O que fica, então, de A Improvável Viagem de Harold Fry, é a impressão de uma história que, ao mesmo tempo, introspectiva e aberta ao mundo, cativa pela fluidez e pela emotividade das memórias. E, principalmente, por aquilo que, de Harold Fry, ecoa no reflexo de cada um. Vale a pena ler.
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