quinta-feira, 22 de maio de 2014

O Ocaso dos Pirilampos (Adriano Mixinge)

Às vezes um deus com o poder da criação, às vezes um homem olhando a desolada normalidade, quase sempre uma entidade ambígua aberta ao mundo. Assim é o protagonista cuja voz define este livro. Uma história feita de fragmentos improváveis, rasgados, por vezes, por episódios quase banais, numa fusão que resulta num muito delicado equilíbrio entre estranheza e fascínio. Que deixa também, e um pouco à semelhança dos do próprio narrador, sentimentos ambíguos.
De todos os elementos mais ou menos estranhos que dão forma a este livro, o que mais impressiona é a forma de escrita, muito próxima aos pensamentos e ao caos da mente do narrador e, por isso, também pautada pela estranheza, mas em que o ritmo acaba por se tornar fascinante, ao mesmo tempo que certos trechos, pela força do que transmitem ou pela simples harmonia das palavras, acabam por se gravar na mente. A grande maioria dos capítulos são breves, sendo cada um um fragmento, ou do imaginário do narrador, ou da sua contemplação da realidade, ou ainda de alguma ponderação sobre os rumos do mundo. O que têm em comum é uma cativante fluidez, que se torna ainda mais interessante nos capítulos mais peculiares.
Mas, falando da tal estranheza, que é, sem dúvida, o elemento dominante. Muito do que o protagonista compreende ou daquilo que vê como a sua existência é surreal. Por isso, e sendo a sua voz a que narra a história, o cenário mental que transmite voga, durante grande parte da narrativa, pelo âmbito do improvável. Ora, o que resulta de todas estas peculiaridades é, por um lado, alguma impressão de confusão, mas, por outro, a percepção de um olhar sobre o mundo, que se perde, por vezes, no caos, mas que, quando sobressai, toca alguns pontos bastante interessantes.
Ainda um outro ponto interessante é que, a acompanhar a peculiaridade do texto, surgem imagens com as mesmas características: estranhas, mas estranhamente apelativas. O equilíbrio entre ambas reforça, é certo, a impressão de um cenário invulgar, mas, ao associar um elemento visual, facilita um pouco a entrada no estranho mundo interior do protagonista.
Bastante surreal, mas estranhamente cativante, este é, portanto, um livro que acaba por cativar, acima de tudo, pela escrita, na qual surgem alguns momentos especialmente brilhantes, e pela forma como, do caos, acabam por emergir fragmentos de uma certa lucidez perante a vida. Um livro estranho, em suma, mas interessante, ainda assim. 

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