domingo, 28 de setembro de 2014

A Mulher Má (Marc Pastor)

1912. Há crianças a desaparecer em Barcelona, mas ninguém parece importar-se muito com o caso. São principalmente os filhos das prostitutas, aqueles a quem ninguém liga, porque, aos seus olhos, não existem. Mas, por alguma razão inexplicável, o inspector Moisès Corvo não consegue ficar indiferente à situação e, apesar de não ser habitualmente movido por sentimentos nobres, Corvo não está disposto a parar até descobrir as respostas. O problema é que as pistas são muito poucas e, para chegar às poucas que há, será necessário contestar o sigilo de gente poderosa. Ora isso não pode deixar de ter consequências...
De ambiente sombrio e com um mistério de contornos igualmente negros, este é um livro que, a fazer lembrar, a espaços, os contos de Poe, parte de um conjunto de crimes sem solução para contar uma história repleta de peculiaridades. A primeira é, desde logo, a voz que conta a história. Apesar da escolha da morte para narrador não ser um caso único, é, ainda assim, invulgar, o que, desde logo, desperta curiosidade. Além disso, a forma que o autor lhe atribui uma personalidade, com traços de quase compaixão e, ao mesmo tempo, um estranho - e algo negro - sentido de humor, cria um início bastante mais apelativo.
Isto é particularmente interessante se tivermos em conta que nenhuma das personagens é especialmente admirável, desde os membros de uma autoridade particularmente disposta a fechar os olhos aos estranhos cúmplices do crime, e, sem esquecer, claro, a própria mulher má. Mas, de todas estas figuras peculiares, sobressai a ambiguidade da posição de Moisès Corvo, tão falível e tão disposto a contornar a lei como qualquer um dos seus colegas de profissão, mas particularmente determinado a encontrar respostas - contra tudo e contra todos, se necessário - num caso em que a inocência é comprometida.
Quanto ao enredo propriamente dito, o mais cativante está na forma como, a partir de algumas pistas sem grande ligação, o autor constrói um percurso de grandes revelações, mas também de becos sem saída, o que torna o caminho de Corvo mais credível, ao mesmo tempo que o narrador dá voz à parte escondida da história das personagens. O que acontece, assim, é que, entre os rasgos de crueldade, as pistas improváveis e a lenta descoberta do que verdadeiramente aconteceu, a história vai crescendo em intensidade, para culminar num final que, apesar de perder um pouco pela forma algo abrupta com que tudo acontece, acaba por ser, sem dúvida alguma, o mais adequado às circunstâncias.
Por último, uma menção às várias referências literárias que vão surgindo ao longo do enredo e que, de forma discreta, mas interessante, estabelecem uma sensação de similaridade. Desde os comentários a Sherlock Holmes, a algumas improváveis escolhas de nome, sem esquecer a própria conclusão dos acontecimentos, há uma série de paralelismos que se criam entre este livro e alguns outros sobejamente conhecidos (principalmente de Bram Stoker e Edgar Allan Poe, naturalmente, mas não só), e que tornam o ambiente sombrio do enredo agradavelmente familiar.
Sombrio e cativante, ainda que algo apressado na forma de contar algumas partes da história, este é, portanto, um livro que, no seu ambiente negro e nas muitas peculiaridades que povoam a sua história, proporciona uma leitura intrigante e, nos momentos certos, surpreendente. Uma boa leitura, em suma.

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