Abandonada à porta de uma igreja numa noite de tempestade, a vida de Mei Lin podia ter acabado logo nos seus primeiros dias. Mas quis a sorte que fosse encontrada e que o padre da paróquia a tomasse como protegida. E assim, Mei Lin, ou Maria, vive uma infância normal num colégio de freiras - até ao dia em que, abalada pelo plano que a madre superiora tem para si, decide fugir. Começa assim um longo e penoso trajecto pelos recantos mais negros de Macau: primeiro, numa casa de ópio, depois na prostituição. E, quando finalmente parece encontrar uma vida estável, o passado insiste em vir atrás de si. Manuel ama-a - mas a família dele não parece muito disposta a aceitá-la. E, mesmo que o faça, Mei Lin estabeleceu ligações perigosas. Ligações essas que podem muito bem assombrar-lhe a vida familiar.
Um dos aspectos mais cativantes neste livro e também o que torna a história tão fácil de imaginar é a forma como a autora descreve a vida e o modo de estar das gentes de Macau, não só nas rotinas quotidianas, mas também no que diz respeito à mentalidade. E isso é interessante não só pelo retrato bastante completo que traça do cenário, mas também pela evolução que é possível sentir ao longo do tempo - as mudanças políticas e os pontos de viragem históricos podem ter uma presença discreta na narrativa, mas não deixam de ser relevantes. Além disso, este desenvolvimento do contexto permite entender melhor as circunstâncias das diferentes personagens - e, em particular, as de Mei Lin.
Também muito interessante é que, apesar de bastante completo na caracterização do cenário, o ritmo da narrativa nunca se torna demasiado lento e muito menos maçador. Talvez porque há sempre algo de relevante a acontecer na vida das várias personagens, ou talvez pela forma gradual como os elementos descritivos vão sendo apresentados, o texto flui com toda a naturalidade, proporcionando uma leitura sempre cativante e em que nunca se esbate a curiosidade de saber o que se segue. Claro que para isso contribui também a fluidez da escrita, bem como as personagens em si, que, muito diferentes, mas todas muito misteriosas, mantêm sempre acesa a curiosidade.
E, ainda que Mei Lin seja o centro da narrativa, há muito mais na história para além dela. Sim, é certo que é ela a protagonizar alguns dos momentos mais impressionantes e todas as relações parecem convergir para ela, mas há também muito a descobrir nos que a rodeiam, seja no mistério da origem de Luísa ou nas movimentações das Tríades e da sua enigmática líder. E a forma como tudo se conjuga, numa história repleta de revelações - e também de mistérios que se prolongam para lá do enredo - torna tudo mais intrigante e mais intenso. Mesmo no que é deixado por dizer, já que, apesar da grande pergunta que fica sem resposta, a conclusão parece dar-se precisamente no ponto certo.
Cativante, surpreendente e equilibrado, este é, pois, um livro que surpreende em muitos aspectos, desde a força das personagens à fluidez com que o cenário se funde na narração das suas histórias. E é esse equilíbrio delicado, com a aura de mistério que sempre o parece envolver, que torna toda a leitura memorável - e faz com que este livro seja tão bom.
Título: O Rio das Pérolas
Autora: Isabel Valadão
Origem: Recebido para crítica
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