1952. Uma mulher vive refugiada num convento, muda há mais de oito anos e sem nenhuma explicação precisa para a sua condição. Conta apenas com memórias que não consegue entender e com a paciência cada vez menor das freiras que cuidam dela. Mas a sua memória é feita de um grande segredo e de muitas histórias cruzadas. Doze anos antes, em plena ocupação, um banqueiro judeu apaixonou-se por uma jovem professora e, apesar da guerra, das esperanças difíceis de manter e da necessidade de fugir, prometeram voltar a ver-se. Mas havia algo de trágico destinado à aldeia de Oradour - a mesma tragédia na raiz do silêncio de Adeline.
Narrado de diferentes perspectivas e abrangendo dois períodos diferentes, este é um livro onde domina simultaneamente uma aura de mistério e uma de tragédia anunciada. As circunstâncias de Adeline bastam para adivinhar um acontecimento grave e, à medida que a história se desenrola, a teia de relações começa a encaminhar-se para uma certeza cada vez maior. E cada personagem, ainda que inicialmente não pareça, desempenha um papel crucial na forma como tudo termina: um final onde, por entre a tragédia prometida, há espaço para possibilidades tão diversas como uma certa redenção, a simples descoberta da verdade e até, quiçá, uma esperança possível.
É também uma história que vive muito das emoções. Ao contar a história através de múltiplas primeiras pessoas, a autora impõe à narrativa algumas limitações necessárias: é impossível ter todas as respostas quando as personagens não estavam lá nalgumas partes da história. Mas, mais do que esta sensação de brevidade, de que talvez houvesse momentos que podiam ter sido mais desenvolvidos, o que fica na memória são os sentimentos: os de Paul, ante as consequências da fuga; os de Sebastian, tanto na descoberta do amor como na possibilidade de sucessivas perdas; os de Adeline, entre a necessidade de lembrar e a de não o fazer; e até mesmo os de Tristan, que, na sua inocência, não vê o adensar das sombras de um mundo cada vez mais negro.
E é de guerra, também, que este livro trata, mas não da guerra das grandes batalhas. Da guerra dos que ficam para trás à espera de uma resposta, da dos prisioneiros à espera, de uma guerra movida por preconceitos também patentes do suposto lado dos "bons". Há muito de relevante a retirar desta história sobre o poder de um preconceito capaz de motivar massacres, mesmo quando estes não parecem estar directamente relacionados com a tragédia maior. E também isto fica na memória ao terminar a leitura.
Trata-se, pois, de uma história que, embora não sendo surpreendente no seu acontecimento central, surpreende nas muitas pequenas coisas que definem o seu caminho. Emotiva, cativante e com uma visão bastante eficaz do medo do outro em tempos de guerra, uma voz que vale a pena descobrir.
Título: Uma Voz Perdida na Guerra
Autora: Cesca Major
Origem: Recebido para crítica
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